Marcelo Copelli
Estadão
A manutenção, nesta semana, do veto do ex-presidente Jair Bolsonaro à tipificação de crimes contra o Estado democrático de direito, entre os quais se inclui a criminalização das fake news nas eleições, reflete não apenas uma derrota para o governo Lula da Silva, mas também representa a profunda omissão da maioria dos parlamentares no que tange à continuidade dos amplos processos de desinformação desenvolvidos e observados no país, sobretudo a partir de 2018.
A caracterização de crimes contra o Estado democrático estava prevista no Projeto de Lei nº 2.108/2021, que deu origem à Lei 14.197, de 2021, revogando a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170, de 1983). Destaque-se que, entre outros pontos do texto vetado, estabelecia-se a pena de até cinco anos de reclusão para os responsáveis pelo crime de “comunicação enganosa em massa”, promovendo ou financiando ações com a finalidade de disseminar fatos desprovidos de veracidade e capazes de comprometer o processo eleitoral.
CRIMINALIZAÇÃO – Combater a desinformação, em nenhum plano, coaduna-se com a errônea ideia, propagada por muitos, de confronto com a democracia ou com a liberdade de expressão. Muito pelo contrário, efetivamente. A criminalização das fake news aponta para a definição de parâmetros legais e garantidores do Estado democrático de direito, punindo ações criminosas elaboradas estratégica e singularmente com o intuito de estruturar cenários que recriam uma realidade inexistente, porém quase sempre ameaçadora; base na qual quase sempre se sustenta a distorção de ideias e a cilada massiva.
Os dispositivos do Código Penal referentes à difamação, calúnia e injúria, nos casos em que notícias falsas são disparadas em massa, permanecem valendo. Porém, somente um dispositivo específico para emoldurar as “verdadeiras campanhas de desinformação” poderia garantir um campo de debates mais salutar e, sobretudo, transparente.
NOVO TÍTULO – O texto vetado pela maioria do Congresso criava um novo título no Código Penal para tipificar dez crimes, entre eles o de fake news nas eleições. Agora, com a decisão que barrou a possibilidade de estipular na lei o crime de “comunicação enganosa em massa”, a maioria dos parlamentares envolvidos, eleitos pela sociedade, avalizam a falta de retidão que atinge a democracia através da qual foram eleitos, viabilizando condições para que a contextualização de conteúdos propositalmente manipulados prossiga, balizando o cenário político brasileiro.
Por fim, é preciso destacar que a garantia da pluralidade de posicionamentos ideológicos e a manutenção da liberdade de expressão devem ser elementos imperativos no dia a dia da sociedade brasileira. Porém, para que haja harmonia no campo das ideias, é preciso que a justa discussão seja a linha protagonista, despida de manipulações e propagações que disseminam a desinformação com o intuito de obscurecer ainda mais o túnel quase sem luz das articulações políticas.