Um soneto de Machado de Assis indagava: “Mudaria o Natal ou mudei eu?”

Frases de Machado de Assis... - Frases de Machado de AssisPaulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, crítico literário, dramaturgo, folhetinista, romancista, contista, cronista e poeta carioca Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), no “Soneto de Natal”, faz uma reflexão sobre o ato de criação artística.

SONETO DE NATAL
Machado de Assis

Um homem – era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno –
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações de sua idade antiga
Naquela mesma velha noite amiga
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto… A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”

João Cabral de Melo Neto e o simbolismo do reinício da vida em todo Natal

ImagemPaulo Peres
Poemas & Canções

 O diplomata e poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999), no poema “Cartão de Natal”, mostra o simbolismo do reinício da vida que todo Natal propicia.

CARTÃO DE NATAL
João Cabral de Melo Neto

Pois que reinaugurando essa criança
pensam os homens
reinaugurar a sua vida
e começar novo caderno,
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de voo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:
Que desta vez não perca este caderno
sua atração núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas
suas molas,
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem,
o sim comer o não.

No caminho do trabalho, Bastos Tigre consulta a razão e tem uma surpresa

Veredas da Língua: Bastos Tigre – Poemas | Poemas, Citações, PensamentosPaulo Peres
Poemas & Canções

O engenheiro, publicitário, bibliotecário, humorista, jornalista, compositor e poeta pernambucano Manoel Bastos Tigre (1882-1957), no poema “Voz Interior”, depois de tanto filosofar, encontra a resposta para o seu questionamento. Detalhe: Bastos Tigre era autor dos mais criativos anúncios afixados no interior dos bondes, principal meio de transporte de sua época, inclusive os versos que transformaram o xarope Rhum Creosotado num campeão de vendas: ”Veja, ilustre passageiro/ O belo tipo faceiro/ Que o senhor tem ao seu lado./ E, no entanto, acredite,/ Quase morreu de bronquite./ Salvou-o o Rhum Creosotado!“.

VOZ INTERIOR
Bastos Tigre

Quem sou eu? De onde venho e onde acaso me leva
O Destino fatal que os meus passos conduz?
Ora sigo, a tatear, mergulhado na treva,
Ou tateio, indeciso, ofuscado de luz. 
Grão, no campo da Vida, onde a morte se ceva?
Semente que apodrece e não se reproduz?
De onde vim? Da monera? Ou vim do beijo de Eva?
E aonde vou, gemendo, a sangrar os pés nus?
Nessa esfinge da Vida a verdade se esconde;
O espírito concentro e consulto a razão,
E uma voz interior, sincera, me responde:
– Quem és tu? Operário honesto da nação.
De onde é que vens? De casa. Onde é que estais? No bonde.
Para onde vais? Não vês? Para a repartição.

Uma canção que faz um alerta para a necessidade de preservar o Pantanal

Cantor Paulo Simões leva nova turnê "Sonhos Guaranis" para três cidades de  MS - A Crítica de Campo Grande

Simões, grande compositor pantaneiro

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor e compositor carioca Paulo Simões mora em Campo Grande, MS, onde passou parte da adolescência descobrindo amigos e futuros parceiros, como os irmãos Geraldo e Celito Espíndola, Geraldo Roca e Almir Sater. Devido a isso, Paulo Simões consegue ter sentimentos iguais a quem nasce no Pantanal.

INTERIOR
Celito Espíndola e Paulo Simões

Coração de quem nasceu no interior
Sente paixão igual, seja peão, seja doutor
Solidão ninguém viveu superior
E nem foi tão real, quanto esse chão
Quanto essa dor

A fazer nossa pior ferida
Penas da própria vida
Alvo de um caçador

Pra render a violência vã
Foi minha mente sã
Que me fez um cantor

Coração de quem nasceu no interior
Sente paixão igual, seja peão, seja doutor
Solidão ninguém viveu superior
E nem foi tão real, quanto esse chão
Quando essa dor

De saber que o futuro vem
Trocar o que se tem
Por um outro valor

De temer que o progresso quer
Deixar em todo verde
Seu sinal detrator

Um desesperado soneto de amor, nos versos de Aurélio Buarque de Holanda

Reprodução do Espaço Educar

Paulo Peres
Poemas & Canções

O crítico literário, lexicógrafo, filólogo, professor, tradutor e ensaísta alagoano Aurélio Buarque de Holanda (1910-1989) também usou as palavras para nos brindar com este belo soneto “Amar-te”.

AMAR-TE
Aurélio Buarque de Holanda

Amar-te – não por gozo da vaidade,
Não movido de orgulho ou de ambição,
Não à procura da felicidade,
Não por divertimento à solidão.

Amar-te – não por tua mocidade
– Risos, cores e luzes de verão –
E menos por fugir à ociosidade,
Como exercício para o coração.

Amar-te por amar-te: sem agora,
Sem amanhã, sem ontem, sem mesquinha
Esperança de amor, sem causa ou rumo.

Trazer-te incorporada vida fora,
Carne de minha carne, filha minha,
Viver do fogo em que ardo e me consumo

Papai Noel é sempre um bom velhinho (especialmente no mundo dos negócios)

Papai Noel e a infância perdida | Charges | O Liberal

Charge do João Bosco (O Liberal)

Paulo Peres

Apesar de estarmos vivendo uma crise econômica gigantesca, onde o desemprego, a miséria e a violência em todos os sentidos são incentivadas pelas elites políticas e administrativas do país, que não se preocupam com as desigualdades sociais, nesta conjuntura a figura de Papai Noel ainda é destaque para quem ainda está empregado.

A classe média brasileira, geralmente, gasta 50% do valor que recebe do 13º salário com o pagamento de dívidas, mas vai às compras atendendo ao apelo do Papai Noel, um velhinho bonachão apenas para o comércio.

BOM VELHINHO – A chegada de Papai Noel na noite de Natal é esperada com ansiedade por crianças em todo o mundo, embora o mito do “bom velhinho” carregue outras versões em nada carismáticas ou bondosas, como revela Roland Barthers em seu livro “Mitologias”, que se ocupa com uma análise semiológica das mensagens veiculadas pelos meios de comunicação de massa.

Segundo o livro, Papai Noel funciona como imagem reparadora da sociedade. É um momento em que a sociedade se livra de sua culpa, através do presente e da imagem idealizadora do “bom velhinho”, do pai e do mundo adulto, pois a sociedade não aceita que se possa ter um lado bom e outro mau.

Papai Noel surge, neste aspecto, como um personagem apenas bom e com ele a sociedade se redime. Isso passa para a criança, que é impedida de expressar o seu lado agressivo (mau).

NOEL REPRESSOR – A imagem da infância é feita de formulações ideais de bondade e inocência, afirmam os psicólogos, que veem assim, um comportamento repressor do Papai Noel, na medida em que o presente, na verdade, é uma troca. Só recebe presente que se comporta bem, uma maneira do pai esconder a repressão que ele exerce sobre o filho.

A ideia de que Papai Noel teve origem como sucessor de São Nicolau ou São Klaus pode ter sido o início do hábito de dar presentes na Alemanha, não é muito aceita pelos psicólogos.

“Na versão de Walt Disney para Papai Noel, nota-se que ele confecciona brinquedos numa fábrica em que os anões são artesãos e há, naturalmente, um artesão-chefe. Logo, Papai Noel procura ocultar o caráter de produção coletiva da indústria”.

MITOS EUROPEUS – Para os psicólogos, Papai Noel, como se apresenta hoje, é uma construção moldada sobre fragmentos de mitos europeus. “Nessa construção encontramos, entre outros, o componente de humanização ,que é semelhante aos dos desenhos animados. Quer dizer, a figura do Papai Noel é acentuada pelos traços curvos, é engordada como acontece com os bichos”.

Na verdade, Papai Noel só existe como escamoteamento, porque o consumo continua sendo culpado, enquanto ele é o móvel inocentador desse consumo, pois absolve sua culpa. Por outro lado, ele é um dos muitos mitos do poder em sua imagem dadivosa.

Por isso, “ele é Papai Noel, um substituto do pai, porque é o pai quem realmente faz. Pai, em escala social, é a instituição. Logo, Papai Noel é uma imagem institucional”, do ponto de vista psicológico.

AUTOGRATIFICAÇÃO – Na análise psicanalítica, Papai Noel opera como elemento de frustração do superego e de resistência ao consumo. Ele frustra o superego do consumidor naquilo que este tem de crítica à gratificação.

Quer dizer, o anseio de gratificação pelo presente de Papai Noel, e este presente é uma autogratificação, sobretudo, quando se dá alguma coisa a um filho.

No Brasil, o incremento da propaganda do mito Papai Noel, a partir de 1930, associa-se à industrialização e ao acréscimo de dependência externa. Vale ressaltar que, na década de 30, em todo o mundo, Papai Noel assumiu a feição que tem hoje, esse caráter bonachão, no quadro de uma crise econômica duradoura, quando foi necessária a intervenção do Estado em todos os setores da economia (a política do New Deal reproduzida nos países europeus de diferentes formas).

FOLIA DE REIS – O Brasil, pelo processo de colonização, vinha desenvolvendo várias representações natalinas próprias, que se centravam nas Festas de Reis. Estas festas, apesar dos folguedos de representações religiosas de origem ibérica, eram de realização brasileira, um ritual que variava de região para região. Não havia no país unidade nacional para manter uma só representação.

Mas essas festas foram sendo esmagadas em função da sociedade de consumo, surgindo, então, a imagem definitiva e alienígena de Papai Noel, puxando seu trenó em pleno verão tropical.

O Natal (data do nascimento de Jesus Cristo) foi deturpado pelo mito Papai Noel, pois sua importância como instituição comercial na sociedade brasileira, sobretudo no processo de industrialização de bens de consumo, é notável. Mesmo porque uma boa parte dos brasileiros que vive ao nível de subsistência tem como único recurso de compra a gratificação do Natal.

“O que é meio, o que é fim, para viver no seu tempo?”, indaga o genial Paulo Vanzolini.

Paulo Emílio Vanzolini – ABC

Vanzolini, grande compositor e boêmio paulista

Paulo Peres
Poemas & Canções

O zoólogo e compositor paulista Paulo Emílio Vanzolini (1924-2013), na letra de “Tempo e Espaço”, viaja dentro de si próprio até encontrar sua amada. Esse samba faz parte do LP Paulo Vanzolini por ele mesmo lançado, em 1981, pela Eldorado.

TEMPO E ESPAÇO
Paulo Vanzolini

O tempo e o espaço eu confundo
A linha do mundo é uma reta fechada
Périplo, ciclo
Jornada de luz consumida e reencontrada
Não sei de quem visse o começo
Sequer reconheço
O que é meio, o que é fim
Pra viver no seu tempo
É que eu faço viagens no espaço
De dentro de mim
As conjunções improváveis
De órbitas estáveis
É que eu me mantenho
E venho arrimado nuns versos
Tropeçando universos
Pra achar-te no fim
Nesse tempo cansado de dentro de mim

“Upa upa, sobre o pampa e sobre o mar”, lá vem o Minuano, encantando o poeta…

Meyer, retratado por Portinary

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, folclorista, ensaísta e poeta gaúcho Augusto Meyer (1902-1970), descreve no poema “Minuano” este vento que vem de longe e traz todas as vozes, todas as dores e todas as raivas, em uma única voz, em uma única dor e em uma única raiva.

MINUANO
Augusto Meyer

Este vento faz pensar no campo, meus amigos,
Este vento vem de longe, vem do pampa e do céu.

Olá compadre, levante a poeira em corrupios,
Assobia e zune encanado na aba do chapéu.
Curvo, o chorão arrepia a grenha fofa,
Giram na dança de roda as folhas mortas
Chaminés botam fumaça horizontal ao sopro louro
E a vaia fina fura a frincha das portas.

Olá compadre, mais alto, mais alto!
As ondas roxas do rio rolando a espuma
Batem nas pedras da praia o tapa claro…
Esfarrapadas, nuvens nuvens galopeiam
No céu gelado, altura azul.

Este vento macho é um batismo de orgulho.
Quando passa lava a cara, enfuna o peito,
Varre a cidade onde eu nasci sobre a coxilha.
Não sou daqui, sou lá de fora…
Ouço o meu grito gritar na voz do vento:
– Mano Poeta, se enganche na minha garupa!

Comedor de horizontes, 
Meu compadre andarengo, entra!
Que bem me fez o teu galope de três dias
Quando se atufa zunindo na noite gelada…

Ó mano
Minuano
Upa upa
Na garupa!

Casuarinas cinamonos pinhais
Largo lamento gemido intenso, vento!
Minha infância tem a voz do vento virgem:
Ele ventava sobre o rancho onde morei.
Todas as vozes numa voz, todas as dores numa dor,
Todas as raivas na raiva do meu vento!

Que bem me faz! Mais alto, compadre!
Derrube a casa! Me leva junto! Eu quero o longe!
Não sou daqui, sou lá de fora, ouve o meu grito!
Eu sou o irmão das solidões sem sentido…
Upa upa sobre o pampa e sobre o mar…

A desesperada decepção amorosa nos versos mais íntimos de Augusto dos Anjos

Provo desta maneira ao mundo odiento... Augusto dos Anjos - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, professor e poeta paraíbano Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (1884-1914), no soneto “Versos Íntimos”, expressa um sentimento pessimista e de decepção com relação aos relacionamentos interpessoais.

VERSOS ÍNTIMOS
Augusto dos Anjos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de sua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Uma canção inspirada no sertão de Guimarães Rosa e no tempo/destino

Peres, na gravação de uma de suas músicas

Carlos Newton

O advogado, jornalista, analista judiciário aposentado do Tribunal de Justiça (RJ), poeta, compositor e letrista carioca, Paulo Roberto Peres, inspirou-se na obra de Guimarães Rosa para fazer a letra de “Sinhá”, música gravada por Amarildo Silva no CD Virgem Sertão Roseano, em 2003, produção independente.

SINHÁ

Amarildo Silva e Paulo Peres

Carro de boi na saudade (estradão)
Sertão memória, Roseano traz
Quem sabe o tempo destino refaz:
Sinhá, fazenda, paixão….

Deixa infância meu sonho brincar
Numa cantiga ciranda dançar
Pois o sorriso da noite teceu
Um véu de estrelas no céu

Uma samba glorioso relata as vidas de João Nogueira e Paulo Sérgio Pinheiro 

João Nogueira e Paulo César Pinheiro - O Poder da Criação - Minha Missão -  YouTube

Nogueira e Pinheiro, gigantes do samba

 

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor, compositor e poeta carioca Paulo César Francisco Pinheiro, na letra da música “Espelho”, em parceria com João Nogueira, retrata toda uma trajetória de vida, principalmente, no relacionamento com o pai e os sonhos de ser alguém. A música Espelho intitulou o LP gravado por João Nogueira, em 1977, pela Odeon.

ESPELHO
João Nogueira e Paulo César Pinheiro

Nascido no subúrbio nos melhores dias
Com votos da família de vida feliz
Andar e pilotar um pássaro de aço
Sonhava ao fim do dia ao me descer cansaço
Com as fardas mais bonitas desse meu país
O pai de anel no dedo e dedo na viola
Sorria e parecia mesmo ser feliz

Eh, vida boa
Quanto tempo faz
Que felicidade!
E que vontade de tocar viola de verdade
E de fazer canções como as que fez meu pai

Num dia de tristeza me faltou o velho
E falta lhe confesso que inda hoje faz
E eu me abracei na bola e pensei ser um dia
Um craque da pelota ao me tornar rapaz
Um dia chutei mal e machuquei o dedo
E sem ter mais o velho pra tirar o medo
Foi mais uma vontade que ficou pra trás

Eh, vida à toa
Vai no tempo vai
E eu sem ter maldade
Na inocência de criança de tão pouca idade
Troquei de mal com Deus por me levar meu pai

E assim crescendo eu fui me criando sozinho
Aprendendo na rua, na escola e no lar
Um dia me tornei o bambambã da esquina
Em toda brincadeira, em briga, em namorar
Até que um dia eu tive que largar o estudo
E trabalhar na rua sustentando tudo
E assim sem perceber eu era adulto já

Eh, vida voa
Vai no tempo, vai
Ai, mas que saudade

Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade
E orgulho de seu filho ser igual seu pai
Pois me beijaram a boca e me tornei poeta
Mas tão habituado com o adverso
Eu temo se um dia me machuca o verso
E o meu medo maior é o espelho se quebrar

Um estranho poema, que existe para não ser, na criatividade de Artur da Távola

O que volta depois de ter passado é... Artur da Távola - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

Artur da Távola era o pseudônimo do carioca Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros (1936-2008) que, além de advogado, jornalista, radialista, professor e político, era um excelente poeta, como podemos constatar no “Soneto Inascido”, em que ele aborda os estados e os sentidos que fazem o poema existir ainda antes de nascer.

SONETO INASCIDO
Artur da Távola

O poema subjaz.
Insiste sem existir
escapa durante a captura
vive do seu morrer.

O poema lateja.
É limbo, é limo,
imperfeição enfrentada,
pecado original.

O poema viceja no oculto
engendra-se em diluição
desfaz-se ao apetecer.

O poema poreja flor e adaga
e assassina o íncubo sentido.
Existe para não ser.

Falta uma folha de parreira para cobrir o olhar sensual da amada do poeta 

Uma discreta folha de parreira, para cobrir o olhar da amada do poeta Artur  Azevedo - Flávio Chaves

Artur Azevedo, grande poeta maranhense

Paulo Peres
Poemas & Canções

O dramaturgo, jornalista, contista e poeta maranhense Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo (1855-1908) sustenta que “Por Decoro”, os olhos do seu amor, quando expostos publicamente, deveriam estar cobertos por uma discreta folha de parreira.

POR DECORO
Artur Azevedo

Quando me esperas, palpitando amores,
e os lábios grossos e úmidos me estendes,
e do teu corpo cálido desprendes
desconhecido olor de estranhas flores;

quando, toda suspiros e fervores,
nesta prisão de músculos te prendes,
e aos meus beijos de sátiro te rendes,
furtando às rosas as purpúreas cores;

os olhos teus, inexpressivamente,
entrefechados, lânguidos, tranquilos,
olham, meu doce amor, de tal maneira,

que, se olhassem assim, publicamente,
deveria, perdoa-me, cobri-los
uma discreta folha de parreira.

No Dia Nacional do Samba, lembremos Donga e a histórica gravação de “Pelo Telefone”

The First Samba | Rio Then

Três bambas: Pixinguinga, João da Baiana e Donga

Paulo Peres
Poemas & Canções

Hoje é comemorado o Dia Nacional do Samba e, neste sentido, não poderíamos esquecer do músico e compositor carioca Ernesto Joaquim Maria dos Santos, conhecido como Donga (1890-1974) que é lembrado pela gravação de “Pelo Telefone”, em 1917, considerado o primeiro samba gravado na história. Foi composto na casa da Tia Ciata, famosa na época por reunir os maiores e melhores músicos populares da época, onde frequentavam, além de Donga e Mauro de Almeida, também João da Baiana, Caninha, Sinhô e Pixinguinha, entre outros.

“Pelo Telefone” tem uma estrutura ingênua e desordenada: a introdução instrumental é repetida entre algumas de suas partes (um expediente muito usado na época) e cada uma delas tem melodias e refrões diferentes, dando a impressão de que a composição foi sendo feita aos pedaços, com a junção de melodias escolhidas ao acaso ou recolhidas de cantos folclóricos. Este samba sintetiza aspectos da vida e da boemia no Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século passado.

PELO TELEFONE
Mauro de Almeida e Donga

O chefe de Polícia pelo telefone,
Mandou me avisar,
Que na Carioca tem uma roleta
Para se Jogar.

Ai, ai, ai, deixa as mágoas para trás, o rapaz,
Ai, ai, ai, fica triste se és capaz e verás.

Tomara que tu apanhes
Pra nunca mais fazer isso,
Roubar o amor dos outros
E depois fazer feitiço.

Olha a rolinha, sinhô, sinhô,
Se embaraçou, sinhô, sinhô,
Caiu no laço, sinhô, sinhô,
Do nosso amor, sinhô, sinhô,
Parte deste samba, sinhô, sinhô,
É de arrepiar, sinhô, sinhô,
Põe perna bamba, sinhô, sinhô,
Mas faz gozar.

O peru me disse,
Se você dormisse, não fazer tolice,
Que eu não saísse, dessa esquisitice,
Do disse me disse.

Queres ou não, sinhô, sinhô,
Ir pro cordão, sinhô, sinhô,
Ser folião, sinhô, sinhô,
De coração, sinhô, sinhô,
Porque este samba, sinhô, sinhô,
É de arrepiar, sinhô, sinhô,
Põe perna bamba, sinhô, sinhô,
Mas faz gozar.

Sob pele de ovelha, Ariano Suassuna vira um leão para enfrentar a morte

Eu digo sempre que das três virtudes... Ariano Suassuna - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O dramaturgo, romancista e poeta paraibano Ariano Vilar Suassuna (1927-2014), no poema “Abertura Sob Pela de Ovelha”, mostra a luta eterna do homem contra o envelhecimento e a morte.

ABERTURA SOB PELE DE OVELHA
Ariano Suassuna

Falso Profeta, insone, Extraviado,
Vivo, Cego, a sondar o Indecifrável:
e, jaguar da Sibila – inevitável,
meu Sangue traça a rota desse Fado.

Eu, forçado a ascender, eu, Mutilado,
busco a Estrela que chama, inapelável.
E a pulsação do Ser, fera indomável,
arde ao Sol do meu Pasto – incendiado.

Por sobre a Dor, Sarça do Espinheiro
que acende o estranho Sol, sangue do ser,
transforma o sangue em Candelabro e Veiro.

Por isso, não vou nunca envelhecer:
com meu Cantar, supero o Desespero,
sou contra a Morte e nunca hei de morrer. 

Poeticamente, o Brasil precisa de uma política que busque a simplicidade

Estudo Literaturas - Antonio Carlos Rocha

A simpliicidade é o caminho, diz Rocha

Paulo Peres
Poemas & Canções

O professor, escritor e poeta carioca Antonio Carlos Rocha, Doutor e Mestre em Ciência da Literatura, escreveu o poema “Uma Política de Simplicidade” como contraponto ao livro “Uma Política de Bondade”, escrito pelo Dalai Lama em publicado em Portugal, pela Editorial Estampa, 1991. O poema de Antonio Rocha é uma lição de vida e se adapta com perfeição à conjuntura atual da política brasileira.

UMA POLÍTICA DE SIMPLICIDADE
Antonio Rocha

Precisamos de políticos
Que sejam simples
E tenham simplicidade
E façam caridade.

Queremos parlamentares
Que não pensem em si,
Nem no partido
Nem se preocupem
Com o próprio
Conforto.

Queremos pessoas públicas
Homens e mulheres
Abnegados, abnegadas
Determinados, dedicadas
Ao estrito bem comum.

Se tiverem carro
Que seja uma só unidade.
Simples.
Que seja só um carrinho
Sem muito luxo.

Se tiverem casa,
Ou ganharem uma,
Que seja uma só, uma só
Nada de ostentação.
Uma casinha de campo, pode
Um sitiozinho simples, pode
Uma fazendinha pode
Tudo bem simplinho.

Queremos que o
Fundo Partidário
Seja transformado
Em Fundo Operário
E cada trabalhador
Receba o 14º salário
No dia do seu
Aniversário.
E o excedente
Vá para a Saúde
Para a Educação.

Queremos presidentes,
Governadores, ministros,
Secretários, vereadores,
Prefeitos, deputados,
Senadores
Sem auxílio-paletó
E sem nenhum auxílio.

Vistam-se e calcem
De forma simples.

Mas o que é ser simples?
É quando todos, todas
Têm o suficiente
Para viver feliz e
A felicidade é
Compartilhada
Igualitariamente.

A força de anseios e dores que atingem o poeta, em suas inquietudes cotidianas

Vicente Limongi Netto – JP Revistas

Limongi é jornalista e poeta

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista e poeta amazonense Vicente Limongi Netto, radicado há anos em Brasília, em poucas linhas expõe poeticamente a larga dimensão das “inquietudes” cotidianas.

INQUIETUDES
Vicente Limongi Netto

A dor dentro
dos anseios permanece
despeja ruídos que
perdoam e libertam
perturba instintos inquietos
bocas aflitas por ilusões
lutando por almas desamparadas

Um poema para decifrar o dilema existencial que confunde a todos nós

Antonio Cícero, grande poeta e compositor

Paulo Peres
Poemas & Canções

O filósofo, escritor, compositor e poeta carioca Antonio Cícero Correa de Lima, membro da Academia Brasileira de Letras, reconhece, neste poema, o “Dilema” existencial que confunde a todos.

DILEMA
Antonio Cícero

O que muito me confunde
é que no fundo de mim estou eu
e no fundo de mim estou eu.

No fundo
sei que não sou sem fim
e sou feito de um mundo imenso
imenso num universo
que não é feito de mim.

Mas mesmo isso é controverso
se nos versos de um poema
perverso sai o reverso.

Disperso num tal dilema
o certo é reconhecer:
no fundo de mim
sou sem fundo.

Chove nos telhados, lavando a cidade, e chove na minha alma a chuva do teu olhar

Ana Cristina Cesar: homenageada da Flip | Dante FilhoPaulo Peres
Poemas & Canções

A professora, tradutora e poeta carioca Ana Cristina Cruz Cesar (1952-1983) é considerada um dos principais nomes da geração mimeógrafo (ou poesia marginal) da década de 1970. O poema “Chove” descreve uma certa tarde, quando a chuva caía e também choviam no coração da poeta os olhares que a seguiram.

CHOVE
Ana Cristina Cesar

A chuva cai.
Os telhados estão molhados,
Os pingos escorrem pelas vidraças.
O céu está branco,
O tempo está novo.
A cidade lavada.
A tarde entardece,
Sem o ciciar das cigarras,
Sem o jubilar dos pássaros,
Sem o sol, sem o céu.

Chove.
A chuva chove molhada,
No teto dos guarda-chuvas.

Chove.
A chuva chove ligeira,
Nos nossos olhos e molha.
O vento venta ventado,
Nos vidros que se embalançam,
Nas plantas que se desdobram.

Chove nas praias desertas,
Chove no mar que está cinza,
Chove no asfalto negro,
Chove nos corações.
Chove em cada alma,
Em cada refúgio chove;
E quando me olhaste em mim,
Com os olhos que me seguiam,
Enquanto a chuva caía
No meu coração chovia
A chuva do teu olhar.

Quando a paixão é muito forte, o maior risco é ser levado pela ilusão

871 – Paulinho Pedra Azul comemora 35 anos de carreira com shows em duas  cidades do Sul de Minas Gerais* – Barulho d'Água Música (O que o Faustão  não divulga está aqui.

Paulinho com o amigo Rolando Boldrin

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor, compositor e poeta mineiro Paulo Hugo Morais Sobrinho nasceu na cidade de Pedra Azul, a qual adotou como nome artístico. Em parceria com Cláudio Mourão, ele explica como entende “Os Mistérios da Paixão”. A música foi gravada pelo próprio Paulinho no CD Quarenta, em 1994, produção independente.

OS MISTÉRIOS DA PAIXÃO
Cláudio Mourão e Paulinho Pedra Azul

A paixão é um bichinho que muda de pele
Ele entra bem dentro da gente
Fica atento e não quer sair nunca mais
Revira tudo pelo avesso
E nesse mistério, me toma do carinho
Não me deixa encontrar o caminho
E eu, irado pela dor da emoção
Me perco, virando a cabeça
E vejo estrelas passando em meus olhos
E suplico ao amor mais profundo
Pra que venha me tirar da ilusão
Desse mundo
Que me afoga e me faz pequeno
Feito um grão de areia que
Saiu da terra pra ficar no tempo,
Solto na poeira