Escândalo das joias, o maior da história do Brasil, tem um capítulo chapliniano

Charge do Amarildo (agazeta.com.br)

Pedro do Coutto

O escândalo das joias destacado na sexta-feira pela GloboNews e pela TV Globo, e manchete da Folha de S. Paulo, O Globo e Estado de S.Paulo, tem uma dimensão colossal que o coloca como o maior da história do Brasil na medida em que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, o general Mauro Lourena Cid, o advogado Frederico Wassef, um personagem sombrio, além de outros oficiais do Exército que formavam no Gabinete da Presidência da República.

É inacreditável que um general, um tenente-coronel e sobretudo um presidente da República, tenham se envolvido em programas de leilões de joias recebidas de países estrangeiros para transformá-las em dólares. O relógio que faz parte das joias levadas para o exterior clandestinamente chegou a ser vendido em Miami, mas aí é que entra a característica chapliniana.

PATRIMÔNIO NACIONAL – Por uma coincidência do destino, o Tribunal de Contas da União determinou que a joia fosse recolhida ao patrimônio nacional. Aliados de Bolsonaro convocaram o advogado Frederico Wassef para recomprar o relógio.

Imaginem só que o relógio vendido em Miami foi reencontrado na Pensilvânia. Uma verdadeira corrida pelos responsáveis pelo roubo movimentando-se atrás da joia para devolução ao TCU. Uma verdadeira sequência chapliniana. Os autores de livros policiais nunca narraram um caso com tal hipótese.

Além disso, o tenente-coronel Mauro Cid comunicou ao seu pai Mauro Lourena Cid que fotografasse as joias que seriam colocadas em leilão. Ele o fez, mas deixou refletir a sua própria imagem. Uma cena incrível. Somados, configuram-se no maior escândalo da história do país, conforme disse.  

QUEBRA DE SIGILO – A Polícia Federal pediu ao ministro Alexandre de Moraes, que preside o inquérito, a quebra de sigilo das contas de Jair Bolsonaro. Mas há outros personagens envolvidos nessa trama. O fato chocou o país. O Exército comandado pelo general Tomás Miguel divulgou uma nota oficial dizendo que não comentaria a operação, mas que “não compactua com eventos de desvio de conduta de quaisquer de seus integrantes”.

Reportagem de O Globo, de Eduardo Gonçalves, Paola Serra, Reynaldo Turollo e Daniel Gullino destaca o episódio com base em levantamento da Polícia Federal que concluiu pela existência de uma organização criminosa no entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro e pela formação do mercado paralelo de joias recebidas e vendidas no exterior. Na Folha de S.Paulo, escreveram Fábio Serapião, Julia Chaib, José Marques, Marcelo Rocha e Matheus Vargas.

Bolsonaro terá que depor novamente à PF. A afirmação do general Tomás Miguel Paiva, comandante do Exército, foi focalizada em matéria de Fábio Vieira, FSP, representando um posicionamento firme do militar sobre o assunto envolvendo o general Mauro Lourena Cid e seu filho, o tenente-coronel Mauro Cid.

Campos Neto quer substituir o rotativo por juros de 9% ao mês, o triplo da inflação anual

Campos Neto não pode trocar o rotativo estratosférico por juros espaciais

Pedro do Coutto

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em reportagem de Natalia Garcia, Folha de S. Paulo desta sexta-feira, e de Renan Monteiro no O Globo, afirmou que o BC está estudando acabar com as taxas do rotativo no cartão de crédito que hoje superam 400% ao ano por um sistema de parcelamento com uma taxa de 9% ao mês.

Os juros atuais do crédito rotativo cobrado pelos bancos é recorde mundial absoluto e constitui há muito tempo uma vergonha nacional e internacional para o Brasil. O sistema atravessa décadas e lembro que o escândalo veio à tona no governo João Figueiredo quando Delfim Netto retornou à equipe ministerial no Planejamento.

INADIMPLÊNCIA -Atravessou o tempo fomentando uma inadimplência inevitável já que é impossível a qualquer pessoa pagar juros nessa escala; como também será impossível pagar 9% ao mês quando a inflação prevista este ano oscila entre 3% a 4%.

É só fazer as contas e chegar à conclusão da impossibilidade absoluta. Não é possível cobrar juros nessa ordem num cenário em que a inflação oscila entre 3% a 4% no espaço de 12 meses. Como é que as pessoas podem arcar com um compromisso desse tipo? A saída, claro, seria não fazer dívidas de jeito algum. Mas isso é impossível diante da realidade. Economistas como Roberto Campos Neto, no fundo, têm horror à realidade.

Fala-se em juros praticamente todos os dias, mas não se toca no problema dos salários, que são os alvos dessas taxas e não têm como enfrentar uma realidade que remete à fome mais de 30 milhões de brasileiros e brasileiras. O déficit social brasileiro é muito maior do que a dívida interna do país que eleva-se a em cerca de R$ 6 trilhões sobre a qual incidem os juros de 13,25% da Selic por ano. Com isso, favorece-se incrivelmente as aplicações de capital no mercado guarnecido pela tradicional mão de tigre.

LUCRO – Agora mesmo, matéria de Lucas Bombana, Folha de S. Paulo, revela que o lucro dos grandes bancos no segundo trimestre deste ano alcançou R$ 24 bilhões. Entre os grandes bancos, Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander. O lucro da Caixa Econômica Federal certamente também se inclui entre os maiores. Detém um alto volume de cadernetas de poupança que rendem por ano de 6% a 7%. Basta a CEF aplicar os depósitos das cadernetas em títulos regidos pela Selic que rendem mais que o dobro.

Portanto, terminar com o rotativo dos cartões de crédito não é a solução. Na verdade é uma obrigação do poder público. Mas Campos Neto não pode substituir o rotativo estratosférico por juros espaciais de 9% ao mês. Não livrará a população brasileira das dívidas e da inadimplência. É preciso que a rota dos salários funcione para uma efetiva redistribuição de renda no país. É o único caminho.

DREX – Natália Garcia, na Folha de S. Paulo, em reportagem bastante ampla, explica como deverá funcionar a moeda real Drex destinada a modernizar as aplicações financeiras e também a compra de carros e imóveis. A moeda digital, portanto, está restrita a segmentos de renda elevada, repousando essencialmente na transferência de dinheiro. De forma nada surpreendente abrange as remessas internacionais de capital.

A contratação de serviços também integra o elenco da moeda digital que já tem até a sua característica gráfica produzida e reproduzida na edição de ontem da Folha. O Drex é uma ilusão. Não incentiva a economia, não influi no mercado de trabalho, muito menos redistribui a renda, não está voltado para a imensa maioria da população brasileira.

Diante do Drex, relembro uma história contada por Nélson Rodrigues ao longo das confissões que escreveu no O Globo numa sequência de suas memórias iniciadas no Correio da Manhã. Morava numa casa com um jardim à frente, perto do Grajaú. Sua mãe contratou um jardineiro para cuidar das plantas. Numa visita do jardineiro português, ela disse “É bom que o senhor venha aos sábados”. O jardineiro respondeu: “O sábado é uma ilusão”. Lembrei dessa história quando vi anunciado o Drex digital.

OBRAS PARADAS –  Existem no Brasil, das mais variadas dimensões, 8600 obras paralisadas que estão causando um prejuízo enorme não só pelo custo de sua retomada, que supera R$ 30 bilhões no mínimo, mas principalmente, pelo efeito que teriam causado se tivessem sido realizadas dentro dos tempos previstos.

Esse déficit parece invisível, mas é real, embora não seja calculado pela elite monetária que atua no mercado financeiro. Mas é só imaginar em quantas pessoas perderam a vida por falta de equipamentos médicos e por falta de atendimento. Quantas pessoas deixaram de comer porque não conseguiram emprego que teria sido fornecido pela finalização de obras no tempo previsto?

Agora, por exemplo, o governador Cláudio Castro pensa em construir um muro ao longo da Linha Vermelha para evitar balas perdidas no caminho. Incrível. Aliás, Bernardo Mello Franco escreve um bom artigo no O Globo sobre tal projeto.

Assassinato no Equador repercute no mundo como prova de terrorismo politico

Villavicencio foi assassinado covardemente nesta quarta-feira

Pedro do Coutto

O assassinato de Fernando Villavicencio, candidato à Presidência da República do Equador, chocou o mundo e alcançou uma repercussão proporcional a do crime, pois os assassinos atuaram de surpresa num encontro com eleitores, desfechando-lhe três tiros na cabeça. Morreu na hora e no momento surgiu uma onda internacional de condenações ao ato que acentuou a presença tanto do extremismo quanto de seu aliado mais recentes, o terrorismo.

O episódio está na linha da invasão do Capitólio em janeiro de 2021, na invasão de Brasília e na revelação espantosa que aponta – conforme a GloboNews divulgou na tarde de quarta-feira – de Donald Trump ter urdido até um projeto de falsificação dos votos do colégio eleitoral americano. Junte-se a isso a trama golpista do Brasil articulada por Anderson Torres e Silvinei Vasquez na sombra do ex-presidente Jair Bolsonaro para depor o governo Lula pela força.

CONEXÃO – O encadeamento de episódios radicais revela uma conexão de ideias e vontades que ultrapassa o desejo de que aconteça uma ruptura para tentativa concreta e armada de depredar a democracia e executar o próprio rompimento do quadro político com as urnas e com a democracia.

O assassinato no Equador é mais um capítulo da intolerância para com as ideias e da violência contra a própria integridade e a vida humana.  A conexão tem um caráter destrutivo que é a marca dos radicais que em momentos da história, por falta de argumentos lógicos e democráticos, recorrem ao crime, ao assassinato, à violação da lei e à destruição da propriedade, seja ela pública ou particular.

Com o crime no Equador, escreve-se mais um capítulo numa série de violências e de violações cujo percurso num rastro de morte, infelizmente, continuam. No caso de Donald Trump, a sua situação agravou-se ainda mais, tendo o ex-vice presidente Mike Pence como testemunha, pois ele recusou-se a participar da farsa cujo objetivo era falsificar o resultado das urnas americanas.

AGENDA VERDE –  Numa entrevista à Beatriz Bulla, o Estado de S. Paulo desta quinta-feira, Luciana da Costa, diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES destacou a importância de uma presença firme do banco na sustentação de uma política voltada para a economia verde e para um esforço integrado contra a poluição através de um impulso voltado em primeiro lugar para o setor de energia.

“Estamos atrasados, mas está a tempo de recuperarmos o espaço perdido, fomentando a energia eólica, a energia solar e reduzindo a emissão de carbonos que depende também do combate ao desmatamento”, afirmou Luciana da Costa, acrescentando que a preocupação climática é legítima e deve motivar todos os segmentos do governo Lula da Silva.

A diretora disse ainda que: “Não dá para a gente achar que a transição energética vai cair por inércia e nem que ela vai acontecer sem subsídio, porque os Estados Unidos estão subsidiando a transição energética. A Europa está subsidiando. Austrália, subsidiando. Não vamos ter a quantidade de subsídio que eles têm, mas vamos ter de ser mais eficientes, mais criativos. Só que temos vantagens comparativas. O custo da energia eólica e solar, no Brasil, é um dos mais baratos do mundo. Tem estudos que mostram que o hidrogênio verde no Brasil vai ser um dos mais baratos do mundo. Então, tem tudo para dar certo, mas temos de fazer dar mais certo, sim. E se a gente não regular, se a gente não organizar, a gente perde o bonde”, afirmou.

PREÇO DO DIESEL –  Reportagem de Denise Lima e Gabriel Vasconcelos, o Estado de S. Paulo de ontem, revela que o preço do óleo diesel que vem sendo cobrado pela Petrobras está 28% abaixo da cotação internacional. Isso torna a importação inviável para as empresas independentes e é preciso considerar que a importação do diesel representa 24% do consumo brasileiro.

A questão do preço já está começando a influir no abastecimento, atingindo distribuidoras em vários pontos do país.  O presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores, Wallace Landim, defende um aumento de R$ 0,40 por litro. A questão do diesel, portanto, terá que ser estudada pela Petrobras.

DEFASAGEM – E não só o diesel, pois de acordo com o presidente da Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis, Sérgio Araújo, os preços da gasolina estão defasados na escala de 18%. É preciso, acentuo mais uma vez, confrontar os preços do óleo bruto do qual o Brasil é exportador, com os preços das importações. Não compreendo porque não é feito esse cálculo comparativo.

Quando o preço sobe, o valor das exportações brasileiras cresce. Quando o preço dos produtos refinados aumenta, as despesas com as importações aumentam também. Trata-se apenas de fazer uma conta nos dois lados para que se tenha ideia do reflexo em real dos dois valores em sentidos diferentes, mas com um resultado que deve ser único.

TESTE –  Fernanda Brigatti, em reportagem na Folha de S. Paulo desta quinta-feira, destaca que várias empresas brasileiras irão começar a testar nos próximos meses um novo modelo de trabalho com base na semana de quatro dias e com a manutenção de oito horas diárias e os salários atuais.

A empresa americana Day Week avaliará a produtividade com o novo modelo de jornada. Os interessados na experiência devem se inscrever no programa até o final deste mês, 31 de agosto. A expectativa de Renata Rivetti, da Reconnect, é que na primeira etapa 50 empresas participem da experiência. Gabriela Brasil, diretora da Day Week, disse que a base do projeto está numa mudança cultural.

Anderson Torres: uma confissão tácita de um delegado pela estrada do absurdo

Torres foi acometido por uma absurda amnésia sobre o documento golpista

Pedro do Coutto

O ex-ministro da Justiça Anderson Torres, em seu depoimento que prestou na terça-feira à CPI do Congresso, enveredou pela estrada do absurdo, mas confessou tacitamente o seu conhecimento e a sua participação na tentativa de golpe contra o presidente Lula da Silva. Torres deixou claro o seu comportamento por uma série de motivos em relação aos quais não formalizou qualquer encadeamento lógico.

Ele disse que a minuta do projeto de decreto levado a Jair Bolsonaro para intervenção no Tribunal Superior Eleitoral era um texto produzido por alguém e que lhe foi entregue, mas não se recordava por quem e que em vez de jogá-lo fora, deixou-o exposto numa mesa da sala de sua residência. Quanto à sua ausência de Brasília, voltou a afirmar que não possuía informações sobre a invasão do dia 8 de janeiro. O seu telefone celular diz que perdeu, não sabe onde.

TORRENTE DE ABSURDOS – Sobre os acontecimentos do dia 12 de dezembro, quando extremistas incendiaram ônibus e caminhões e tentaram invadir a Polícia Federal, não conseguiu falar a respeito do pensamento que lhe ocorreu quando estava jantando num restaurante de Brasília. Enfim, uma torrente de absurdos e inverdades, culminando com suas declarações de que o projeto golpista é fantasioso.

A Folha de S. Paulo, reportagem de Thaisa Oliveira, e o O Globo de Lauriberto Pompeu e Paolla Serra, edições de ontem, focalizaram amplamente o assunto que passa da realidade para uma completa fantasia com o objetivo de negar o óbvio essencial da questão. Na verdade, Anderson Torres deixou claro que confirmava toda a trama articulada junto com Bolsonaro, primeiro para impedir a posse do presidente eleito, e em seguida para derrubar o seu governo.

Diante da sequência de disparates, a senadora Eliziane Gama, da relatoria da Comissão Parlamentar de Inquérito, anunciou que vai propor uma acareação entre o ex-ministro da Justiça e o ex-superintendente da Polícia Federal na Bahia Leandro Almeida. Isso porque Anderson Torres deslocou-se para a Bahia no domingo do segundo turno quando ordenou a “fiscalização” dos ônibus que transitavam no Nordeste.

OBRAS – Perguntado o motivo pelo qual viajou nesse dia, Torres disse que foi verificar o andamento de obras da PF no estado. Suas declarações, portanto, como se observa, não fazem o menor sentido e deixam claro a sua participação na trama antidemocrática, inclusive porque ao entrar de férias exatamente no dia da invasão do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF, Anderson Torres encontrava-se na cidade de Orlando, justamente onde o ex-presidente Jair Bolsonaro se hospedara.  

Torres depôs com a tornozeleira eletrônica presa em seu corpo. No fundo, o seu depoimento transformou-se numa confissão por ação tácita, não dando margem a qualquer dúvida. Para complementar o episódio, na manhã desta quarta-feira, o ministro Alexandre de Moraes determinou a prisão do ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques.

CONFISSÃO – O depoimento de Anderson Torres transformou-se num capítulo que ficará para sempre marcado na história política brasileira como uma confissão sinuosa, mas evidente, da trama de um golpe que procurava a invasão e as depredações de Brasília como um pretexto tão hediondo quanto praticamente impossível.

Na verdade, uma cópia da invasão do Capitólio em Washington em janeiro de 2021 para desfechar um golpe contra a vitória nas urnas de Joe Biden sobre Donald Trump. De janeiro de 2021 para a data de hoje, Trump enredou-se numa sequência de acusações criminosas e de absurdos na mesma dimensão de seus crimes. A meu ver, o bolsonarismo e Bolsonaro estavam no roteiro de Anderson Torres.

MOBILIZAÇÃO –  Em artigo publicado no New York Times, transcrito na edição de ontem no Estado de S. Paulo, Marc Tracy publica reportagem sobre a reação de atores americanos e ingleses contra a aplicação de métodos digitais à base da Inteligência Artificial para incluir suas imagens em filmes ou depoimentos em relação aos quais não autorizaram e, portanto, rejeitam as montagens e querem regulamentação legal, principalmente nos Estados Unidos, para impedir o uso da fotogrametria que permite a criação de movimentos e palavras para obras pelas quais os direitos pessoais não são remunerados.

Em jogos de futebol na Inglaterra, a Apple TV incluiu imagens de atores como se estivessem assistindo as partidas no meio da multidão para promover os espetáculos. Uma magia técnica chamada de TEed Lasso cria cenas de atores junto ao público nos estádios. A imagem do ator Peter Cushing foi usada para representar um personagem do mundo esportivo. Em Hollywood, recentemente, houve uma greve dos roteiristas que recebeu o apoio de atores e atrizes. O sistema artificial vem se tornando, sustentam os artistas, de uso de imagens e palavras numa realidade virtual inventada e não produzida.

Romeu Zema, um desastre que, politicamente, fortalece Lula ainda mais

Zema demonstrou a mais absoluta insensatez em sua crítica

Pedro do Coutto

Ao criticar o Nordeste e defender uma união econômica entre o Sul e o Sudeste, o que inclui evidentemente Minas Gerais, o governador Romeu Zema cometeu um absurdo completo, uma falta de ética total, e terminou de forma indireta fortalecendo o presidente Lula ainda mais junto ao eleitorado, sobretudo na medida em que foi o Nordeste que nas urnas de outubro assegurou a vitória do atual presidente da República.

As reações contra Romeu Zema foram intensas, surgindo de todos os lados e deixando o governador numa situação entre o desastre e o ridículo de sua colocação. Na edição desta terça-feira de O Globo, Merval Pereira coloca muito bem a questão quando acentua que, para dizer o mínimo, Zema revelou uma visão distorcida da realidade brasileira. No final da tarde de segunda-feira, Natuza Nery na GloboNews havia focalizado amplamente o absurdo unindo também as opiniões de Fernando Gabeira e de Gérson Camarotti.

INSENSATEZ – Foi um acontecimento político totalmente negativo para o governador que teve um momento de absoluta insensatez, não medindo os reflexos de sua opinião e com isso distanciou-se de maneira definitiva do quadro de aspirantes à sucessão presidencial de 2026. Deixou o espaço aberto para Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, que, sem dúvida, no panorama de hoje, é o mais cotado para enfrentar Lula da Silva, candidato natural à reeleição.

O Nordeste foi decisivo para a vitória em 2022 e torna-se novamente de importância estratégica para as eleições de daqui a três anos. Esse tempo passa rápido, mas na política acontecem mudanças inesperadas. A Folha de S. Paulo publicou reportagem sobre as declarações, incluindo comentários de João Gabriel e Igor Gielow.

O desastre do governador de Minas Gerais não podia ser maior. Colocou-o num plano menor no quadro geral da política brasileira e ampliou a força eleitoral de Lula, do PT e demais partidos que formaram a coligação vitoriosa nas urnas de outubro do ano passado. Os próprios correligionários de Romeu Zema ficaram imobilizados. Gol contra que ele marcou.

DREX  – Reportagem de Stefane Rigamonti, Folha de S. Paulo de ontem, destaca amplamente uma ideia que está surgindo no Banco Central de criar o real digital, com o nome de Drex, moeda eletrônica, uma etapa posterior a do Pix que permite transações no mercado financeiro. Na minha opinião não tem ligação efetiva com o processo de desenvolvimento econômico.

Teria, inclusive, uma de suas bases no mercado de criptomoedas, explica Fábio Araújo, autor do projeto original que o Bacen pretende lançar em 2024. Araújo, acentua a reportagem, explica as etapas e os degraus para que a moeda eletrônica chegue ao mercado. No fundo, penso, trata-se de um projeto voltado para fortalecer as aplicações financeiras, proporcionando a todos um acesso direto ao setor de capitais. Será uma ilusão? Ou um lance cujas consequências estarão restritas ao mercado financeiro?

PETRÓLEO – Os autores e interessados na exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas, projeto já condenado pelo Ibama e pela ministra Marina Silva, retornaram à ofensiva e agora, revelam Malu Gaspar e Rafael Moraes Moura, O Globo, estão tentando obter um parecer da Advocacia-Geral da União. Os interesses envolvidos são muito fortes, mas os reflexos políticos também, uma vez que novamente iniciativas como essa chocam-se com o meio ambiente.

Em caso de êxito, acarretaria a provável demissão da ministra Marina Silva, que defendeu e defende o veto do Ibama. O caso teria também reflexo internacional, uma vez que o meio ambiente está se tornando cada vez mais um ponto nevrálgico na visão de um grande número de países. O Brasil perderia pontos na escala internacional por colocar em risco o meio ambiente e a população amazônica.

Consumo de drogas, uma ameaça social que também coloca armas nas mãos de bandidos

A questão cercada pela violência preocupa as famílias brasileiras

Pedro do Coutto

Um dos problemas mais graves, não só do Brasil, mas de uma série de países, é o consumo de drogas ilícitas que atinge a existência humana de forma terrível, abalando fortemente a saúde e colocando em risco a própria vida. Além disso, funciona para colocar armas nas mãos dos bandidos na luta que se prolonga pelos pontos de venda e de terror.

Na edição de O Globo desta segunda-feira, Demétrio Magnoli escreveu um bom artigo sobre a questão focalizando o tema em pauta no Supremo Tribunal Federal sobre a diferença entre o consumidor e o traficante.  A divisão merece ser levada em prática, sobretudo porque, no caso da maconha, se não for observado o limite sinuoso, jovens serão levados à prisão agravando um problema que já se apresenta como fortemente dramático. A questão preocupa bastante as famílias brasileiras já que os pontos, tão tóxicos quanto intoxicantes, são cada vez mais cercados pela violência.

FRONTEIRA – A decisão do Supremo Tribunal Federal fixando uma fronteira frágil entre o traficante e o consumidor, é claro, não resolverá o problema, mas de qualquer forma o reduz numa proporção, que embora pequena, é suficiente para respeitar a vontade de quem se vê levado ao entorpecimento de si próprio. A questão, entretanto, é mais ampla e difícil.

Veja-se o exemplo da substituição de malas que levaram duas brasileiras a uma terrível prisão na Alemanha por um transporte de cocaína em relação ao qual não tinham a menor dose de culpa. Sinal de que o torpe mercado está atingindo sofisticações que ameaçam a todos além dos consumidores que derrotam a si mesmos.

Acredito que somente uma campanha publicitária bem feita, como foi o caso da campanha contra o fumo, pode levar a um bom grau de êxito. O consumo de fumo baixou acentuadamente e o uso do cigarro passou a causar uma rejeição generalizada na população. Hoje não se admite fumar em restaurantes, em transportes públicos, em reuniões de todos os tipos. Sucesso semelhante pode ser atingido no combate ao consumo de drogas.

RESULTADOS –  Infelizmente, parcelas da juventude enveredaram por esse caminho. E os resultados são os que observamos hoje, com conflitos em áreas de operações dos bandidos, confrontos diários também com a polícia e milhares de vidas cortadas por balas que se consideram perdidas no espaço da tragédia. O problema no mercado de consumo de drogas é imenso.

A solução para tal descontrole é múltipla e complexa. Só uma publicidade massiva será capaz de reduzir substancialmente o mercado sinistro do impulso tão destrutivo quanto autodestrutivo que a rigor ameaça o próprio planeta.

CONTRATAÇÃO DE CRÉDITOS –  Reportagem de Vitor da Costa, O Globo, revela que empresas brasileiras, inclusive estatais, e o próprio governo do país, contrataram este ano créditos no montante de R$ US$ 5,8 bilhões no mercado internacional. Considerando-se, entretanto, a emissão de títulos do próprio governo em abril, o total até julho alcança US$ 8,1 bilhões.

Esse total, porém, é menor do que o volume contratado de 2019 a 2022,  durante o governo Jair Bolsonaro, quando as emissões de títulos em dólar superaram a escala de US$ 20 bilhões. Estão na lista das empresas que contrataram os créditos, a Vale, a Petrobras, a Braskem, a Azul, o Banco do Brasil, a Cosan e o próprio Tesouro Nacional.

O Tesouro Nacional, por exemplo, lançou papéis este ano de US$ 2,2 bilhões no mercado externo. Uma das razões, acredito, está nos juros menores em dólar do que a Selic em reais.  A comparação feita com a moeda americana dará uma diferença significativa porque os juros da Selic estão agora em 13,25% e os juros americanos em 5,5%. É fato também que a contratação de créditos externos estabelece o risco de câmbio.

Orçamento deve ser de R$ 5,8 trilhões para 2024 e a dívida pública vai aumentar

Proposta orçamentária deve deixar de ser uma peça de ficção

Pedro do Coutto

O governo Lula da Silva tem prazo até o próximo dia 31 deste mês para enviar ao Congresso o projeto de orçamento federal para o exercício de 2024 que deve ser 3% maior do que o que se encontra em vigor este ano pois a lei estabelece o reajuste automático de acordo com a inflação do IBGE.

O importante para o projeto do ministro Fernando Haddad de déficit zero no próximo ano é que a proposta orçamentária deixe de ser uma peça de ficção como tem acontecido através do tempo e se enquadre numa realidade financeira mais rígida e efetiva. Não é tarefa fácil, inclusive porque todos devemos levar em conta que a população do país de um ano para outro reúne cerca de mais duas milhões de pessoas.

PAGAMENTO DE JUROS – Além disso, tornando a ficção uma realidade irremovível, basta dizer que o pagamento de juros agora de 13,25% ao ano, taxa Selic, para rolar a dívida interna de R$ 6 trilhões, não é considerado uma despesa no chamado desempenho primário das contas públicas. Assim, vamos considerar  que o esforço para pagar os juros da dívida é algo que atravessa o tempo como se ele não existisse e pesasse nos dispêndios públicos.

Com esse aspecto pouco comentado pelos especialistas na matéria econômica, devemos chegar todos à conclusão de que o ficcionismo vai permanecer, pois não existe a menor possibilidade de o Brasil poder liquidar R$ 6 trilhões resgatando os títulos do Tesouro corrigidos anualmente pela Selic. Assim permanecerá oculta a verdadeira realidade do orçamento por um artifício que pertence ao estoque acumulado pelo ministro Delfim Netto nos governos Costa e Silva e Garrastazu Médici.

Delfim era o czar absoluto das finanças e depois do governo Médici foi embaixador em Paris e se elegeu deputado federal. Representava as correntes conservadoras que lideravam a Fiesp. Não tinha interesse algum num processo de redistribuição de renda. Pelo contrário, defendeu a tese de que primeiro teria que se fazer crescer o bolo para depois dividir os pedaços. A população brasileira está aguardando até hoje o fatiamento. Foi o grande manipulador da realidade.

APRECIAÇÃO- O déficit primário, ou superávit, dependendo das contas, de qualquer forma não refletia e nem reflete a realidade econômica brasileira. E continuará assim, acredito que pelo menos por mais um ou dois séculos. Mas essa é outra questão.O fato é que os números orçamentários são muito bons de serem apreciados no papel ou nas telas dos computadores, pois existe um déficit social que vai muito além das escalas de qualquer orçamento.

O ponto máximo do déficit social acumulado está na fome diária de 30 milhões de homens e mulheres, na falta de saneamento, nos becos das favelas, nos esgotos a céu aberto, na falta de água potável e também na incerteza de milhões de famílias se vão ter ou não condições de se alimentar no dia seguinte.

REPETIÇÃO –  O Orçamento do país apresenta-se permanentemente incompleto. O que será elaborado agora pelo ministro Fernando Haddad vai inevitavelmente repetir o drama das peças anteriores. Estará essencialmente fora da realidade porque não acredito que na escala das contas públicas apareça a despesa decorrente dos juros que desabam sobre a sociedade, mas que não tem culpa alguma do déficit gigantesco produzido no tempo.

Como o país não possui recursos para sequer pagar os juros anuais, a saída vem sendo emitir mais títulos para lastreá-los e daí a importância para os bancos, para os fundos de investimento e para os fundos de pensão das estatais a taxa da Selic que remunera as detentores do capital e tributa de forma agora direta a população brasileira.  A reportagem sobre o tema é de Idiana Tomazelli e Thiago Resende, Folha de S. Paulo deste domingo.

Um Rolex por testemunha! Cid assegurou para Bolsonaro e para si um péssimo lugar na História

Charge de Gilmar Fraga (gauchazh.clicrbs.com.br)

Pedro do Coutto

Não há dúvida de que o episódio em que se envolveu o tenente-coronel Mauro Cid, tentando vender por US$ 60 mil um Rolex de platina e brilhantes recebido pelo ex-presidente Bolsonaro da Arábia Saudita, assegurou para o ex-ajudante de ordens e para o próprio governo que terminou em 2022 um péssimo lugar na história do Brasil. Creio até que quanto à forma significa um fato sem precedentes e que dificilmente encontrará repetições através dos próximos séculos.

A matéria obteve grande destaque nas edições deste sábado no O Globo,  na Folha de S.Paulo e no Estado de S.Paulo. Incrível. Como é possível que o tenente-coronel Mauro Cid pudesse articular a venda de uma doação internacional, incluindo a participação da assessora do governo passado Maria Farani Rodrigues ?

INTERMEDIAÇÃO – Segundo ela própria disse, por ser fluente em inglês, foi encarregada por Mauro Cid de viabilizar a venda no exterior. Não conseguiu. Motivos não devem ter faltado, mas a intenção ficou marcada e o destino do relógio foi o patrimônio nacional entregue depois de cobrança pública ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

O tenente-coronel Mauro Cid transformou-se em um personagem estranho na administração do país. Era encarregado por Bolsonaro de resolver os problemas. Mas também tomava iniciativas. Não se sabe se todas ordenadas por Bolsonaro ou se algumas partiam de sua própria imaginação, como acontece em casos palacianos e nas áreas de poder.

O caso do Rolex é de uma importância singular, sobretudo pela forma arquitetada que foi montada a tentativa de venda que fracassou, mas que atingiu Bolsonaro junto a uma parte de apoiadores. Os vândalos de 8 de janeiro, pelo menos uma parte deles, não podiam fazer ideia a que ponto chegaria a atuação e a desenvoltura do tenente-coronel Mauro Cid.

SEM PARALELO – O perfil do ex-ajudante de ordens fantasticamente indicado no crepúsculo de 2022 para comandar uma unidade militar em Brasília, não encontra paralelo na estrada do poder, não só pela ousadia criminosa, mas também pela desfaçatez que o levou a acionar a assessora Maria Farani Rodrigues, deixando claro que comportamentos semelhantes já haviam sido realizados.

O caso se reveste de várias faces, como num jogo de dados. Francamente, receber um presente oficial, não recolhê-lo ao patrimônio da União, o que acabou tendo de fazer, e tentar vendê-lo no mercado secundário é estarrecedor. O episódio Bolsonaro, Mauro Cid, Rolex, reveste-se de uma carga extremamente negativa e revela um comportamento social que não respeitava os limites da lei.

No O Globo, a reportagem é de Camila Turtelli, Lauriberto Pompeu e Eduardo Gonçalves. Na Folha de S. Paulo é de Thaís Augusto e Gabriel Vinhal. No Estado de S.Paulo, de Júlia Afonso e Gabriel de Sousa. O episódio também foi amplamente focalizado na noite de sexta-feira pela TV Globo e pela GloboNews.

COMPORTAMENTO  – A repercussão está sendo enorme e crescerá ainda mais, sobretudo porque inevitavelmente alcança o comportamento de um militar do Exército que não só sabia, mas mandava demais. Esse perigo envolve os que detém o poder.

Mauro Cid falsificou atestados de vacinas, manteve diálogos com outros militares investidos no projeto golpista contra a democracia e tentou em vão liberar jóias femininas. Mauro Cid atropelou tudo. Saiu da galeria dos robôs para tentar atuação própria nos fatos do Planalto e fora dele.

ARRANHÃO – Sem dúvida, o sentimento maior do Exército foi arranhado por um dos seus integrantes que se encontra preso por determinação do ministro Alexandre de Moraes. Mauro Cid tinha também em seu poder uma cópia do projeto de decreto redigido pelo ex-ministro Anderson Torres voltado para uma intervenção na Justiça Eleitoral e no próprio Supremo Tribunal Federal, já que o presidente do TSE é o próprio ministro Alexandre de Moraes.

Jair Bolsonaro e Mauro Cid protagonizaram uma verdadeira tragicomédia na política brasileira e ficaram há poucos metros de uma tragédia gigantesca com as depredações de Brasília. Tenho a impressão de que seu tempo se esgotou, marcado pelos ponteiros de um Rolex luxuoso.

Se for condenado, Trump não poderá ser candidato; uma questão moral de bom senso

Trump tentou  impedir a proclamação da vitória de Biden

Pedro do Coutto

Comentaristas da política americana têm levantado dúvidas se mesmo condenado pela Justiça (processos não faltam), o ex-presidente Donald Trump poderá concorrer às eleições de novembro de 2024 e ser eleito para um novo mandato na Casa Branca. Baseiam-se no fato de a Constituição dos Estados Unidos não prever a hipótese de tal impedimento.

Mas isso conduz a um universo interpretativo baseado num princípio moral de bom senso que impede que o homem que tentou fraudar as eleições de 2020 e impedir a proclamação da vitória de Joe Biden, possa novamente disputar a Presidência da República. Um absurdo completo que é facilmente identificado no princípio substantivo do bom senso e do direito comparado, pois se um criminoso comum é privado da liberdade, como proporcionar a um condenado incomum a liberdade de governar o país?

BOM SENSO – Não faz o menor sentido quando se pensa objetivamente sobre a atmosfera que envolveria a maior economia do planeta sob o comando de alguém que poderia encontrar-se recolhido à prisão. Direito, como disse há pouco, é uma questão de bom senso e que, naturalmente, fixa limites no comportamento humano. Não é possível, portanto, que um prisioneiro da Justiça encontre-se livre para dialogar – aqui vai apenas um exemplo – com presidentes de outros países. Como será possível um presidente prisioneiro encaminhar a mensagem anual ao Congresso do país?

Portanto, passando da hipótese não prevista na Constituição a que tal lacuna possa ser preenchida na prática, equivaleria, sem dúvida, a permitir a qualquer condenado judicialmente a ser candidato a algum cargo político. Não tem cabimento. Os leitores e as leitoras certamente já sentiram a atmosfera que seria gerada não só nos Estados Unidos, mas no mundo inteiro, se Donald Trump, condenado e preso, concorresse pelo partido Republicano e vencesse as eleições.

A sua posição no partido Republicano é bastante sólida. Pesquisas apontam um índice de aceitação de 61%. Mas, mesmo na hipótese de vencer a convenção partidária, levaria para a campanha eleitoral uma divisão capaz de derrotá-lo no caminho das urnas. Há divisões no Partido Republicano que poderiam abrir uma dissidência nas eleições que ele, Trump, ambiciona.

ACUSAÇÃO – Mas não é apenas este o caso. A questão é que Trump é acusado de buscar na Geórgia – estado de Jimmy Carter, que já foi presidente dos Estados Unidos –  votos fraudados para levá-lo a conquistar esse colégio importante para o desfecho final das eleições. A mais grave acusação contra ele está na invasão do Capitólio e no esforço para impedir a diplomação do vencedor, Joe Biden. No episódio, é bom lembrar, morreram cinco pessoas e o ato causou um repúdio geral nos países democráticos, exceção do Brasil, de Jair Bolsonaro à época, cujas correntes repetiram a investidas dois anos depois em nosso país.

Por todos esses fatores, sou de opinião que nem tudo que não está escrito na Constituição e nas leis pode ser praticado. Não há dispositivos, tampouco poderia haver, destinados a impedir crimes de morte, de roubo, de peculato, de assaltos. Não está escrito, mas as penas existem. Logo, o impedimento está caracterizado pelo fato em si, não pelo texto legal que os impede. Se assim não fosse, as Constituições dos países seriam livros intermináveis, estabelecendo minuciosamente todas as impossibilidades que caracterizam as sociedades organizadas e civilizadas.

A candidatura de Donald Trump torna-se impossível, não apenas em face do que o Partido Republicano vier a decidir, mas sim em função do que a Suprema Corte inevitavelmente venha a resolver. Os conflitos humanos são de uma amplitude enorme, mas as suas soluções dentro da lei têm que ser decididas pelo Poder Judiciário. Não é porque a lei não impede isso ou aquilo que homens e mulheres possam se julgar imunes aos princípios morais e éticos que regem o relacionamento entre as pessoas e também o relacionamento entre o poder e a sociedade. Trump infringiu e ultrapassou os limites do impossível. Com isso, tornou a sua nova candidatura inviável.  

CRÉDITO ROTATIVO – Numa reportagem na edição desta sexta-feira do Estado de S. Paulo, Bianca Lima focaliza divergências entre os bancos e as lojas comerciais de varejo quanto às taxas cobradas (absurdas) pelo sistema bancário. Os cartões de crédito chegaram este ano a cobrar juros de 437% por 12 meses. Não há quem consiga pagar dívidas assim.

Os casos de inadimplência se multiplicam, abrangendo 74 milhões de homens e mulheres. O governo tenta mediar o assunto, mas nessa escala de juros qualquer acordo torna-se impossível. É perder tempo. Medidas executivas têm que ser colocadas em prática.

Na nuvem do Banco Central, Selic e inflação descem, mas juros reais sobem

Charge do Sinfrônio (humornanet.com)

Pedro do Coutto

O Banco Central reduziu de 13,75% para 13,25% os juros da taxa Selic que se mantinham elevados há praticamente três anos. O voto de desempate, surpreendentemente, foi de Roberto Campos Neto, que comandava a resistência a qualquer recuo da taxa. Tornou-se assim alvo do presidente Lula e do governo, pois se transformou num verdadeiro líder da oposição no universo monetário no país.

À primeira vista, a decisão foi recebida com alívio, um avanço para facilitar o acesso ao crédito tanto por parte das empresas que querem investir quanto da população que deseja consumir. Entretanto, examinando-se bem a questão, verifica-se que a influência da redução de 0,5% não alcançará efeito concreto na distensão de uma política de concentração de renda. Isso porque vamos comparar os números mais recentes entre a inflação e a Selic fixada pelo BC.

JUROS REAIS – Dentro da relatividade, constatamos que em 2021 para uma inflação de 10,6%, a Selic alcançou 13,75%. Logo, os juros reais estão em cerca de 3%. Em 2022, o IBGE estimou a inflação em 5,7%, e a Selic continuou em 13,75%. Os juros reais foram de 8% ao ano. Agora, na previsão para 2023, a inflação está calculada em 3,2%. A Selic passou para 13,25%. Portanto, os juros reais do mercado subiram e não desceram, atingindo dez pontos percentuais. Não há como negar esse resultado. Continua a ser ótimo para que o pequeno grupo de empresas e pessoas mantenham lucros elevados fomentando a política de concentração de renda.

A posição assumida por Campos Neto, elogiada por Fernando Haddad, é apenas uma cortina de fumaça para ocultar a verdadeira face da questão. Devemos observar paralelamente que o governo Lula não tocou em salários e a remuneração do trabalho humano. Pelo menos numa escala que não perca para o processo inflacionário é fator decisivo para o combate à fome, à insegurança alimentar e para o desenvolvimento social do país.

A compressão social era tão grande que se refletiu no número de 74 milhões de pessoas com dívidas vencidas a pagar. O governo teve que desencadear a operação “Desenrola” para aliviar uma situação que também inclui o risco de se eternizar, pois uma vez reabilitados no crédito, uma tendência inevitável será a de que uma parcela muito grande da população venha a contrair novas dívidas. A propaganda é intensa nesse sentido e os apelos são fortíssimos ao consumo e ao acesso aos cartões de crédito.

OFENSIVA – Os bancos mantêm a ofensiva da oferta dos cartões, não se incomodando muito com o cadastro das pessoas que possam contratá-los. O problema, assim, continua e a nuvem sobre o Bacen, a qual me refiro, assemelha-se às nuvens brancas do inverno que tornam o panorama de rara beleza em que permitem que o sol chegue suavemente nas praias, nas praças e nas ruas das cidades.  

A sensação do sol de inverno assemelha-se à da redução nominal dos juros da Selic, mas é preciso confrontar os juros da Selic com a inflação, uma vez que eles são feitos para remunerar credores e investidores dos títulos que lastreiam uma dívida interna de R$ 6 trilhões. A resolução do problema social brasileiro não avançou com a falsa diminuição dos juros cobrados. Ao contrário, representa um artifício conservador para transmitir uma sensação de falso avanço nas contas públicas.

ASPECTO POSITIVO – As reportagens foram amplamente publicadas na imprensa. Na Folha de S. Paulo, foi de Nathalia Garcia, no O Globo, de Renan Monteiro, e no Estado de S. Paulo, de Thaís Barcellos e Eduardo Rodrigues. Míriam Leitão em seu artigo no O Globo, focaliza bem o tema e destaca como um aspecto positivo a perspectiva de reduções seguidas de meio ponto percentual.

Cada meio ponto percentual, acentuo, equivale a uma redução de R$ 30 bilhões nas despesas do Tesouro com os juros da dívida. A projeção de juros até o final deste ano é observada também por Juliana Causin e João Sorima Neto, O Globo. A perspectiva é favorável, creio, inclusive, que seja a única possível. A força do mercado é muito grande e esse mercado, conforme já me referi, pode ser simbolizado na mão de um tigre.

ZAMBELLI – A deputada Carla Zambelli levou o hacker Walter Delgatti ao encontro do ex-presidente Jair Bolsonaro numa tentativa de fraudar as urnas das eleições de outubro e de preparar uma armadilha para o ministro Alexandre de Moraes. A Polícia Federal, diante das afirmações de Zambelli, quer ouvir novamente o ex-presidente da República.

No O Globo, a reportagem é de Paola Serra, Daniel Gullino, Eduardo Gonçalves e Daniel Saboya. Na Folha de S. Paulo, de Fábio Serapião. No Estado de S. Paulo, escreveram Pepita Ortega e Levi Teles.

ENCONTRO – Walter Delgatti, inclusive, diz ter se encontrado com Jair Bolsonaro no Palácio Alvorada, levado por Carla Zambelli. Delgatti é investigado por vazamento de dados da Lava Jato e outras atividades ilegais na internet. Não conseguiu penetrar nas urnas eletrônicas, principalmente porque elas não estão interligadas ao sistema eletrônico das redes sociais.

Estava tentando, sem conseguir, acessar dados pessoais do ministro Alexandre de Moraes. Como é possível, cabe a pergunta, o então presidente da República receber o hacker no Palácio Alvorada? Surgem novos caminhos que levam à invasão de Brasília e à tentativa de um golpe contra o presidente Lula.

Lula ainda não tem um projeto de governo e nem um plano de metas

Charge do galvão Bertazzi (Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

Há mais de seis meses no Palácio do Planalto, o presidente Lula da Silva, cuja popularidade segue em boa escala, não tem ainda um projeto integrado de governo e muito menos um plano de metas através do qual possa cobrar os desempenhos de sua equipe, incluindo além dos ministérios, as principais empresas estatais.

Ontem mesmo, quarta-feira, em artigo no O Globo, Vera Magalhães destacou a pressão de Lula sobre a administração da Petrobras para que funcione alinhada com os interesses do país. Portanto, na visão da jornalista, Lula ainda não considera a Petrobras integrada com os seus objetivos econômicos e sociais.

REFLEXOS – Mais uma vez, entra em foco, a questão dos preços tanto do petróleo quanto de seus derivados como a gasolina, o óleo diesel e o gás de modo geral. Com a política de preços que vinha sendo adotada no governo Bolsonaro, a estatal alcançou grandes lucros e distribuiu muitos dividendos. Mas seus resultados não refletiram numa melhoria das condições de vida da população. Pode-se dizer que a Petrobras atuou como uma empresa privada voltada para o lucro e para a sua acumulação.

Na realidade ela é uma empresa estatal e, por isso, tem que se encontrar vinculada a uma política de governo. Caso contrário, não faria sentido ela ter a União como a sua principal acionista. A questão do petróleo sempre foi motivo de amplo debate e de pressões externas e internas. A criação da Petrobras em 1953 é um exemplo. Mas isso pertence ao passado.

No presente é indispensável que o presidente Lula da Silva consiga traçar uma política definida claramente para a Petrobras e para o país. O presidente da República toca em pontos isolados da administração e não consegue fechar uma rede de iniciativas decorrentes de seus próprios conceitos.

ATAQUES –  Há meses, por exemplo, ele atacou fortemente a privatização da Eletrobras, dizendo, inclusive, que o processo foi marcado por uma “bandidagem”. Afirmação gravíssima, atingindo a segunda maior estatal do país. Mas não houve sequência para o combate à bandidagem que o próprio presidente identificou.

O programa Bolsa-Família permanece, mas não vem à tona os seus principais resultados, talvez por consequência da falta de divulgação profissional e gratuita sobre o trabalho do governo. Na edição de ontem de O Globo, Sérgio Roxo destaca um aspecto importante que acentua uma falta de articulação.

São anúncios do presidente Lula que surpreendem ministros do seu próprio governo. Isso aconteceu em vários casos, incluindo o programa de incentivos para a aquisição de eletrodomésticos. Há também o caso de passagens aéreas a preços reduzidos, além do financiamento de automóveis populares, que de populares só têm o nome.

ANTECEDÊNCIA – Trata-se não apenas que ministros contestem as iniciativas, mas que sejam avisados com antecedência. Agora mesmo, ocorreu o caso da nomeação de Marcio Pochmann para o IBGE, episódio que o presidente da República diz ter avisado à ministra Simone Tebet. É possível que em alguns casos, consequência do acúmulo de trabalho e responsabilidade, Lula possa fazer alguma confusão sobre os assuntos, mas isso não elimina a existência de uma descoordenação bastante visível.

Jeniffer Gularte, O Globo, destaca que a presidente da Caixa Econômica Federal, Rita Serrano, reuniu-se com o ministro Alexandre Padilha e com Marcio Macedo, secretário-geral da Presidência, num esforço para se manter no posto para o qual foi nomeada no início do atual governo. A permanência de titulares de cargos importantes, entre eles o da Petrobras, não deve continuar sendo uma consequência de pressões políticas que surgem repentinamente de vários ângulos. Tem que ser resultado de uma política integral do próprio Poder Executivo.

PGR – O presidente Lula da Silva, pelas suas próprias declarações e o seu ângulo de visão, está procurando um novo procurador-geral da República.  O tema é objeto de excelente reportagem de Jeniffer Gularte, Marianna Muniz, Alice Cravo e Paola Serra, O Globo. Lula deixou claro que substituirá Augusto Aras no momento em que disse que fará um pente-fino nos nomes cotados.

Pretende ouvir, sustenta a reportagem, os ministros Flávio Dino, Jorge Messias, Alexandre Padilha e o líder no Senado, Jaques Wagner. Ele já conversou sobre o assunto com os ministros do Supremo Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. De fato, a substituição de Augusto Aras sempre pareceu inevitável, sobretudo em função dos atritos que manteve com o STF.

A lista tríplice parece estar ultrapassada no pensamento do presidente da República. Mas isso não impede que algum procurador bem aceito por seus pares não termine sendo indicado para o posto. Como se observa, há vacilações demais e decisões de menos no Palácio do Planalto.

COPA FEMININA –  Foi uma partida difícil a que a seleção brasileira enfrentou diante da Jamaica que conseguiu neutralizar os ataques da seleção dourada que precisava da vitória. O empate classificou a Jamaica. Mais uma Copa se foi, mas outras Copas virão.

É do futebol, é do esporte em geral. Na minha opinião faltou comando à treinadora da equipe, Pia Sundhage.

Aumenta a pressão contra Campos Neto; se o Bacen não reduzir juros, a crise se aprofundará

Governo e lideranças da indústria pressionam pela queda de juros

Pedro do Coutto

Na reunião do Comitê de Política Monetária que foi iniciada ontem, terça-feira, e será concluída hoje, a pressão contra Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, elevou-se sensivelmente e, com isso, pode-se avaliar que se os juros da Selic não descerem, tal fato desencadeará uma crise de grandes proporções no setor monetário do governo com reflexo inevitável no país.

A atmosfera tornou-se mais densa e tanto ministros do governo quanto lideranças do setor industrial passaram a pressionar pela queda de juros da Selic. Isso porque os juros altos demais desviam recursos de investimentos econômicos para aplicações financeiras cujos reflexos não incidem sobre o mercado de empregos e, portanto, sobre o consumo, restringindo-se à concentração de renda cada vez maior pelos aplicadores de capital.

LUCROS MAIS FÁCEIS  – Os juros altos atraem recursos financeiros que buscam, como é sabido, lucros mais fáceis, mais elevados e com risco zero. A pressão se concentrou e ao meu ver é difícil a posição de Campos Neto. Se os juros forem reduzidos, por menor que seja a parcela, significará uma perda política de pontos para o presidente do Bacen. E se os juros não descerem, neste caso então as consequências econômicas e monetárias irão se tornar explosivas.

Reportagem da Folha de S. Paulo, do O Globo e do Estado de S. Paulo, destacam que haverá um recuo que pode variar entre 0,25% a 0,5%. Meio por cento significará por mês uma diminuição de R$ 30 bilhões nos juros pagos pela rolagem da dívida interna que é, como se tem divulgado, da ordem de R$ 6 trilhões. É só projetar 13,75% sobre R$ 6 trilhões. Amanhã, diante da decisão, vamos observar os resultados e reflexos. De qualquer forma, porém, Roberto Campos Neto perdeu espaço.

INQUÉRITO –  É um verdadeiro absurdo a conclusão do Inquérito Policial Militar sobre a depredação de Brasília no dia 8 de janeiro atribuindo responsabilidade ao governo Lula por não ter previsto e combatido as ações selvagens, mais até do que a própria invasão de bárbaros contra o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal.

É estranho que num episódio de extrema gravidade seja atribuída uma dose maior de culpa à não identificação do movimento do que ao próprio movimento do vandalismo.  Quer dizer, alguém é culpado por não ter reagido e mais culpado do que os próprios agressores.

Uma coisa não elimina a outra. Além disso, analisando-se logicamente o episódio verifica-se que o grau de culpa e intenção destrutiva partiu de uma invasão organizada e financiada como revela o inquérito do STF. A deputada Grace Hoffmann, presidente do PT, e o diretor-geral da Polícia federal, Andrey Rodrigues, contestaram as conclusões do IPM, cujo objetivo – fica nítido – é evitar que uma parcela de culpa se desloque sobre a área militar sediada em Brasília. Na Folha de S.Paulo a reportagem é de Thaíssa Oliveira e também de Flávio Ferreira. No O Globo, de Nicolas Iory.

Governo compensa os bancos e reabilita devedores, que podem obter novos créditos

Charge: Fernandao (Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

A operação “Desenrola” voltada para reabilitar pessoas que se encontram inadimplentes em função de dívidas não pagas – revela reportagem de Renan Monteiro, O Globo desta segunda-feira – já conseguiu atender 6 milhões de pessoas na primeira fase e iniciará uma segunda para as que devem valores acima de R$ 5 mil e que possuem renda familiar de até R$ 20 mil.

A operação sob o ângulo social, portanto, está sendo um sucesso. Mas, sob o prisma econômico, em certa parte vai permitir que homens e mulheres obtenham novos créditos cujos juros, mesmo os mais baixos, oscilam em cerca de 30% ao ano. São em média 2,4% mensais, o que representa uma carga ao longo de 12 meses difícil de suportar, sobretudo porque os salários continuam perdendo para os índices inflacionários.

RENEGOCIAÇÃO – Renan Monteiro focaliza dispositivos da operação que permitem que os bancos ao renegociar dívidas acumuladas possam obter do governo créditos tributários. Que créditos são esses? Não importa. Provavelmente, se localizam no IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Seja como for, o governo está financiando um processo de refinanciamento.

O nível de inadimplência no país é muito superior a 6 milhões de casos. No mínimo, é seis vezes maior em longa acumulação. Em períodos menores de não pagamentos, digamos seis meses, o total de endividados passa de 70 milhões de pessoas. É um índice altíssimo, consequência do desemprego e das fortes, e cada vez maiores, perdas inflacionárias. Um problema brasileiro que, na realidade, constitui um desafio de várias faces para o governo Lula da Silva.

JUROS – No próximo dia 3, quinta-feira, o Comitê de Política Monetária se reunirá para resolver se reduz ou não os juros de 13,75% ao ano fixados e defendidos por Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central.

A pressão contra Campos Neto está cada vez mais forte e com a previsão de um percentual inflacionário para este ano de apenas 3%, dificilmente a taxa de 13,75% poderá ser mantida, projetando-se uma previsão de que haverá agora uma diminuição de meio ponto, e de dois pontos percentuais até dezembro.

Cada ponto percentual representa para o governo uma redução de R$ 60 bilhões, uma vez que a Selic incide sobre a dívida interna brasileira, que é R$ 6 trilhões. No Estado de S. Paulo, a matéria é focalizada amplamente por Luíza Lanza e Rebeca Crepaldi que assinalam o reflexo da possível redução nos papéis de renda fixa e também nas cadernetas de poupança, pois uma fração do indicador figura entre os fatores componentes da correção monetária.

BOLETIM FOCUS  – A previsão da queda de 0,5% em agosto, e o recuo de até dois pontos em dezembro, é do próprio boletim Focus, editado pelo BC. A diminuição do índice também afeta a remuneração dos títulos do Tesouro direto que, aliás, lastreiam a dívida interna do país.

A manutenção da Selic em 13,75% bloqueou os fundos imobiliários e também influiu no desempenho da Bolsa de Valores. Afinal, é uma taxa muito acima da inflação sem o menor risco para os investidores. Na minha opinião, significou um freio nas aplicações econômicas de capital; uma distorção, já que o mercado financeiro utiliza muito menos mão-de-obra do que quaisquer outros setores.

AGRESSÃO – Diogo Dantas, O Globo, Rodrigo Sampaio, o Estado de S. Paulo, em edições de ontem, focalizaram com destaque a estúpida agressão do ex-preparador físico do Flamengo Pablo Fernandez ao atacante Pedro, desfechando-lhe um soco pouco após o término da partida contra o Atlético Mineiro.

A diretoria do Flamengo demitiu Pablo Fernandez imediatamente e a demissão colocou em risco a permanência do treinador Jorge Sampaoli, já que Fernandez acompanhava sempre o técnico nos diversos contratos que ele firmou com os clubes de futebol. Sampaoli ainda não pediu demissão e nem foi demitido, mas a sua situação ficou difícil no clube.

O motivo da agressão, a meu ver, foi um absurdo. Pedro havia sido chamado pelo técnico para fazer aquecimento. Logo, Sampaoli admitia que substituiria alguém do elenco. Vendo que o limite de substituições havia sido esgotado, o atacante achou desnecessário o exercício. O preparador físico não viu essa razão óbvia e o caso terminou na agressão, na demissão e na apresentação de queixa à Polícia em Belo Horizonte. O preparador físico deu um péssimo exemplo ao universo do futebol e ao próprio relacionamento entre pessoas.

O que pode fazer o IBGE de Márcio Pochmann em matéria de política econômica?

Pochmann, escolhido para assumir o IBGE por decisão de Lula

Pedro do Coutto

Reportagem de Geralda Doca, Renan Monteiro e Eliana Oliveira, O Globo deste domingo, focaliza a nomeação de Marcio Pochmann para a Presidência do IBGE, por decisão direta do presidente Lula, criando um mal estar junto ao ministro Fernando Haddad e a ministra Simone Tebet que foram surpreendidos com a iniciativa do Palácio do Planalto.

A matéria destaca a questão sob o ângulo ideológico e conclui que a escolha de Pochmann pode representar um progresso dos grupos de pensamentos mais avançados na economia e, portanto, menos conciliadores com o panorama político que predomina no governo. Constituiria assim uma espécie de ruptura pouco compreensível à primeira vista, pois Haddad é de fato o primeiro-ministro do governo no sistema de coalizão que vem predominando e traçando os rumos da política e da economia.

REFLEXO – O IBGE efetivamente não é um instituto de formulação de políticas, de pensamentos criativos ou de iniciativas concretas. Ele reflete tanto o governo quanto o país. É assim um órgão de Estado e sem atuação partidária. Teve atuação política, lembrou Carlos Sanderberg em artigo no O Globo,  no final do governo Médici, quando por ordem do então ministro Delfim Neto, que mandava em tudo, falsificou a inflação de 1973. Quando no governo Geisel assumiu o Ministério da Fazenda, em 1974, Mário Henrique Simonsen, de acordo com Sardenberg, verificou que a inflação do ano anterior não havia sido de 12% como Delfim anunciou, mas de 26% o que o próprio governo Geisel não quis revelar.

Houve assim uma perda considerável de 14% na memória inflacionária brasileira, cujos reflexos se fazem sentir até hoje. Era o tempo do “milagre brasileiro”, como se referiu Delfim Neto, copiando uma frase do desempenho da Alemanha Ocidental no governo Adenauer, de centro-direita. Milagre, na verdade, foi a resistência da população de nosso país através de um longo período de perdas salariais e de retração do consumo que chegou até às portas da fome.

Em matéria de memória, lembro que este é um título de um livro do jornalista e escritor Carlos Heitor Cony, numa sequência de obras de combate à ditadura militar iniciada com o artigo “A revolução dos caranguejos”, em 1964, no Correio da Manhã. São episódios que pertencem ao passado, embora até hoje não tenhamos conseguido recuperar  a diferença de 14 pontos em nossos bolsos. Pelo contrário. As perdas cresceram sem parar e até agora, no governo Lula, não houve sinal de recuperação. Não haverá agravamento como ocorreu na administração de Paulo Guedes, mas recuperar o tempo perdido é difícil.

PROVA DE FORÇA – O que representa na realidade a nomeação de Marcio Pochmann? Uma prova de força das correntes mais emocionais do PT, sem dúvida. Mas o IBGE terá que retratar a realidade nacional. Não pode enveredar pela estrada Delfim Neto.

Em seu espaço de domingo no O Globo e na Folha de S. Paulo, Elio Gaspari focaliza a questão, o que acrescenta a importância política da matéria em debate. Mas a nomeação de Pochmann está longe de representar um avanço reformista. Isso porque numa ampla entrevista a Julia Chaib e Thiago Resende, Folha de S. Paulo de ontem, o ministro Alexandre Padilha afirma que “temos todo o interesse na participação de parte do PL no governo Lula”, acrescentando que o presidente da República deseja consolidar trocas na equipe ministerial para agregar o PP e o Republicanos na Esplanada de Brasília ainda no mês de agosto.

Logo, observa-se nitidamente uma contradição: ao mesmo tempo em que Lula força a mão e escolhe Marcio Pochmann para o IBGE, Alexandre Padilha anuncia que o projeto político estende-se até a integração de uma dissidência do PL, partido bolsonarista presidido por Valdemar Costa Neto, no esquema do governo. Um choque entre o impulso estatizante e uma realidade liberal na economia.

COMPARAÇÃO –  O tema conservadora não significa um posicionamento passadista, mas sobretudo o interesse daqueles que ocupam a faixa em conservar o seu próprio poder individual através do acesso à administração pública.

O debate entre reformismo e conservadorismo no Brasil chega a ser marcado pelo humor que a ignorância produz. Há partidos e parlamentares que se declaram conservadores e cristãos. Um absurdo. O cristianismo em sua essência é a reforma. Foi a posição humanista e de luta pela liberdade que levou Jesus Cristo à crucificação. Através de dois mil anos, a luta pelo humanismo continua, inclusive no Brasil.

DEBOCHE – O Coaf revelou – reportagem de Luísa Marzullo e Julia Noia, O Globo de domingo – doações feitas a Jair Bolsonaro através do Pix na escala de R$ 17 milhões. Perguntado sobre o volume que teria sido destinado à aplicação financeira, o ex-presidente respondeu com deboche que o valor é suficiente para “pagar todas as contas” e “tomar caldo de cana e comer pastel” com a mulher, Michelle Bolsonaro (PL).

As doações foram feitas para que ele pagasse multas que lhe foram aplicadas pelo não uso de máscaras durante a pandemia em São Paulo e por ter dirigido motocicleta sem capacete. As multas somam R$ 1 milhão. Até agora não foram pagas.

Inteligência Artificial usa dados acumulados, não cita fontes nem paga direitos autorais

(Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

A tese básica de que a Inteligência Artificial é uma criação humana, voltada para interesses humanos e realimentada pelo pensamento, é do cientista brasileiro Miguel Nicolelis, radicado nos Estados Unidos, e que deu base a um longo diálogo que o especialista Filipe Campello manteve com o ChatGPT, colocando-se a questão de que o acesso aos dados acumulados são muitos milhões e dos quais se utiliza  sem a correspondência de pagar direitos autorais.

O ChatGPT fugiu durante a extensa conversa do tema, procurando evitá-lo de todas as formas e sob todos os ângulos em que Campello insistia em se movimentar. Não respondia logicamente a hipótese de plágio, evitando de todas as maneiras pelos diálogos trocados e escritos na tela do computador. Logo, o ChatGPT está programado para bloquear esse tema de quaisquer indagações. Com isso, ele reconhece parcialmente a perspectiva do plágio e, portanto, escapa da nuvem em que o assunto é conduzido.

ARTICULAÇÃO – O fato essencial é que a plataforma capaz de desenvolver pensamentos lógicos é uma sofisticação avançada da Inteligência Artificial, uma vez que existe uma articulação entre os pensamentos e as frases. Fica a impressão de que os autores da engrenagem que dirigem o ChatGPT se preparam para esse tipo de colocação que desenvolvem os raciocínios de defesa de várias formas.

De outro lado, o ChatGPT alegou no diálogo com Filipe Campello que só poderia responder a questões até 2021, pois após essa data 0a sua memória ainda não havia sido atualizado. O que não deixa de ser engraçado, pois muitos fatos que o ChatGPT responde são posteriores a 2021.

REFORMA MINISTERIAL –  Thiago Resende, Julia Chaib e Catia Seabra, Folha de S. Paulo deste sábado, publicam reportagem assinalando que a ala mais política do governo já está prevendo e articulando uma reforma ministerial no final do ano para acomodar partidos que pretendem votar com o governo no curso dos projetos no Congresso Nacional.

Algumas mudanças poderiam ocorrer ainda em agosto, mas não existe certeza quanto à perspectiva. Afinal, a reforma até agora limitou-se à substituição de Daniela Carneiro por Celso Sabino na pasta do Turismo. Em outra matéria também na Folha de S. Paulo, Vitória Azevedo e Raquel Lopes destacam que o ministro Silvio Almeida dos Direitos Humanos encontra-se em processo de esvaziamento e críticas por iniciativas suas, entre as quais a planejada visita aos presídios estaduais do país. Silvio Almeida poderá ser um dos substituídos.

Lula tem que cobrar iniciativas por parte dos ministros e acaba deixando um espaço vazio para que as pressões por cargos de efetuem. É preciso que blinde a sua autoridade e não deixe com que os espaços vazios de cobrança conduzam a uma inércia natural e que serve de base para reivindicações sob a alegação do não funcionamento deste ou daquele ministro.

Os interesses partidários são sucessivos, sobretudo em vista às eleições de 2024. O poder não pode ficar vazio, pois em tal hipótese algum setor se movimenta para ocupá-lo. Essa opinião foi dita a mim em 1963 por Juscelino Kubitschek. A fragilidade do governo João Goulart expôs o Palácio do Planalto às investidas cada vez mais fortes da oposição comandada por Carlos Lacerda. A pressão atingiu o auge por culpa do próprio João Goulart ao comparecer à reunião dos sargentos na então sede do Automóvel Club do Rio de Janeiro na Cinelândia.

FAKE NEWSNo O Globo de ontem, Jeniffer Gularte publica matéria sobre a intenção ainda não totalmente consolidada do governo de incluir na lei de combate às fake news a possibilidade de que o assunto seja observado pela Controladoria-Geral da União. O assunto está sendo examinado em conjunto com o autor do substitutivo, deputado Orlando Silva.

Pessoalmente acho que o tema deva ser incluído na Lei de Imprensa, inclusive para evitar a criação de qualquer novo órgão encarregado da tarefa de combater as notícias falsas, mas que implica no risco de ser confundido com instrumento de censura prévia. É claro que a remoção das fake news tem que ser feita mais rapidamente possível para que ela não contamine a própria opinião pública.

Mas não pode existir uma lei preventiva para a prática de crimes. A lei pune os crimes, mas não os evita, até porque é impossível. No caso das fake news, elas podem ser evitadas, mas isso depende não da fiscalização governamental, mas pela própria visão dos dirigentes das plataformas. O processo civil fica equiparado à Lei de Imprensa e assegurado o direito de resposta dos atingidos.

Lula erra na forma de nomear Pochmann para o IBGE, abalando a ministra Simone Tebet

Tebet disse não se importar em ser a segunda voz nas decisões

Pedro do Coutto

O presidente Lula da Silva, sem dúvida alguma, errou politicamente ao impor  a ministra Simone Tebet a nomeação do economista Marcio Pochmann para a Presidência do IBGE, uma vez que não se preocupou em pelo menos antes do ato conversar com a ministra , já que o Instituto é um órgão vinculado ao Ministério do Planejamento. Ficou nítida uma hostilidade absolutamente desnecessária, mas que partiu, segundo o que está nos jornais, de uma pressão mais à esquerda do PT sobre a posição política de Simone Tebet.

Ela não passou recibo. Pelo contrário. Mas numa entrevista a Geralda Doca, O Globo desta sexta-feira, Simone Tebet minimizou o lado difícil da imposição e disse não se importar em ser a segunda voz nas decisões. Ela revela ter se reunido com o ministro Fernando Haddad para explicar que haverá a necessidade de um corte de R$ 2,6 bilhões no orçamento para 2024.

ORÇAMENTO – Essa importância é muito pequena, pois o orçamento deste ano é de R$ 5,6 trilhões e pela lei em vigor deverá ser reajustado de acordo com a inflação registrada nos últimos 12 meses. Logo, hoje, pode-se projetar um aumento de 3% sobre R$ 5,6 trilhões. Simone Tebet, pessoa de alto nível intelectual e de atuação prática, procurou suavizar o impacto, levando também em consideração  as fortes restrições que estão surgindo em relação a Marcio Pochmann que integrou o governo Dilma Rousseff.

As resistências a Pochmann estão focalizadas em reportagens de Cássia Almeida e Vinicius Neder, O Globo. As restrições incluem sobretudo sua posição favorável a um desconto maior de Imposto de Renda sobre as folhas de salário, tese que evidentemente  o coloca numa posição frontalmente contrária a dos trabalhadores e trabalhadoras do país.

INCÔMODO – Não sei porque Lula escolheu essa forma agressiva para impor Marcio Pochmann à ministra Simone Tebet. Foi um erro grave. Não havia a menor necessidade de impor uma nomeação quando bastava apenas reunir-se com a ministra e formular a indicação. O episódio dá margem a que se pense que a atuação de Tebet no Planejamento incomoda correntes do PT e sempre que isso acontece na administração pública, intrigas e versões de bastidores encontram formas de agir nas sombras. Há sempre insatisfeitos. A questão é não potencializar os rumores e agir clara e diretamente.

Tebet é uma presença forte e marcante no governo. Caso ela deixasse o cargo, Lula sofreria um rebate dos mais amplos e sensíveis para a sua posição junto à opinião pública.  Fica no ar a pergunta: por que, afinal de contas, Lula terá agido de forma tão impactante? O tema também foi focalizado em reportagem de Mariana Carneiro, edição de ontem de o Estado de S. Paulo.

MERCADO DE EMPREGOS –  Renan Monteiro, O Globo, é autor de reportagem, edição de ontem, sobre a contratação de 1.023 milhões de homens e mulheres com carteira assinada no período de janeiro a junho deste ano. A matéria compara esse número com o relativo a janeiro a junho de 2022 quando o governo Bolsonaro anunciou a retomada de 1.388 milhões de postos de trabalho no primeiro semestre.

O total deste ano é menor do que o do ano passado. Mas nos dois casos não são revelados os totais das demissões que ocorreram nos dois semestres, pois é impossível que ao longo de seis meses o volume das demissões seja igual a zero. Já abordei esse aspecto, frisando a necessidade de a comparação incluir o número das admissões em confronto com o número das demissões.

O Cadastro Geral de Empregos do Ministério do Trabalho ocupado por Luís Guimarães já devia ter tomado essa iniciativa para revelar exatamente a verdade tanto ao governo e, sobretudo , à opinião pública, e também o efeito da retomada de postos de trabalho na receita do INSS e na arrecadação do FGTS, uma vez que nos dois casos há uma vinculação direta com a folha salarial.

BÔNUS DO INSS –  O novo presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, decidiu adotar um sistema de dobrar o salário dos servidores encarregados de reduzir substancialmente a fila de requerimentos voltados aos mais diversos setores, desde a interrupção de pagamentos de aposentadorias e pensões até as perícias médicas.

No momento a fila é enorme: 1,8 milhão de pessoas aguardam resposta para o que requereram. Entre os requerimentos também está a concessão de aposentadorias. O setor que registra maior atraso é o da perícia médica, revelam Bianca Lima e Anna Carolina Papp, o Estado de S. Paulo de ontem.

Há 134 mil pedidos de aposentadoria aguardando despacho e 222 mil pedidos de aposentadoria por idade em atraso. Os benefícios da prestação continuada são 437 mil na fila de espe ra. Uma verdadeira calamidade. O ex-presidente Glauco Fonseca Wamburg não conseguiu administrar o Instituto de importância fundamental para os trabalhadores e trabalhadoras do país.

PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS  –  Bruno Rosa, O Globo de ontem, revela que a Petrobras desvinculou os preços da gasolina e do óleo diesel das cotações internacionais, o que permite uma redução de 23% nos preços da gasolina nas bombas e de 19% nos preços do óleo diesel. Isso de um lado. Por outro lado, os preços das importações subiram.

A questão a meu ver é a de serem comparados os preços do óleo bruto, setor em que o Brasil é exportador, com os preços da gasolina e do diesel , produtos refinados dos quais o país é importador, confrontando o saldo das exportações com o déficit das importações dos dois respectivos setores.

No governo Bolsonaro, quando o preço do óleo bruto subia, os preços da gasolina e do diesel foram reajustados, não se levando em conta a receita maior com as exportações brasileiras. Agora a política mudou. Mas a mudança está incompleta. Tem que se comparar a vantagem obtida com as exportações de óleo bruto e as consequentes do preço dos produtos refinados importados.

Tebet condena recondução de Aras e diz que vitória de Lula foi uma aliança pela democracia

Tebet diz que recondução de Aras na PGR seria um ‘desastre’

Pedro do Coutto

Numa entrevista a Miriam Leitão, na noite de quarta-feira na GloboNews, objeto de artigo da jornalista na edição de O Globo desta quinta-feira, a ministra Simone Tebet afirmou que é fortemente contrária ao movimento de alguns setores do próprio governo de reconduzir Augusto Aras à Procuradoria-Geral da República. Acentuou que tal hipótese seria decepcionante em face da atuação de Aras na pandemia da Covid-19.

Tebet destacou que a vitória de Lula decorreu de uma aliança de vários partidos pela democracia e que por isso é preciso que se tenha altruísmo e compromissos éticos.  A ministra disse ainda que em 2024 estará participando do espaço que estiver disponível na campanha eleitoral do seu estado, Mato Grosso do Sul.

DÉFICIT PÚBLICO – Falou sobre a importância da política de combate ao déficit público, afirmando que a meta de déficit zero é difícil, porém factível, constituindo um desafio para o próprio governo. Sobre a nomeação determinada por Lula de Márcio Pochmann para a Presidência do IBGE, afirmou que foi uma decisão pessoal do presidente da República, deixando no ar, portanto, uma observação de que a vontade de Lula será cumprida.

Relativamente aos rumos da economia no momento atual, disse que Lula decidiu acertadamente manter a valorização do salário mínimo, elevando-o anualmente acima do nível da inflação do exercício anterior, considerando paralelamente que tal diretriz terá impacto nas contas do INSS, já que de 35% a 40% dos aposentados e pensionistas ganham apenas um salário mínimo.

Isso de um lado, pois de outro a elevação do piso salarial acarreta também uma contribuição maior dos empregadores para a Previdência Social. Pela lei, para os que possuem carteira assinada a contribuição patronal é de 20% sobre a fonte de salários. Logo, se sobe o salário mínimo, essa contribuição também se eleva.

INDEPENDÊNCIA – Na entrevista, pelo que se observa, Simone Tebet assinala uma posição de relativa independência em relação ao PT, já que foram do partido as manifestações pela segunda recondução de Augusto Aras à PGR. Sobre as eleições municipais de 2024, Tebet disse que são uma prévia da sucessão presidencial de 2026 e que para ela Jair Bolsonaro está liquidado politicamente, mas o bolsonarismo continua existindo em uma parte da população brasileira. De qualquer forma, não se consegue apagar uma ideia a curto prazo. O combate à direita deverá ser feito através das realizações do governo.

Sobre a escolha de Márcio Pochmann para o IBGE, também no O Globo, Sérgio Roxo e Geralda Doca escreveram a respeito da escolha pessoal do presidente Lula. Em artigo também no O Globo de ontem, Merval Pereira focaliza resistências de setores do PT à ministra Simone Tebet. Talvez, digo, por temerem o crescimento político da titular do Planejamento para as eleições de 2026.

JUROS – Vítor da Costa, O Globo, destaca a decisão do FED, Banco Central dos Estados Unidos, em elevar a taxa anual de juros para entre 5,25% e 5,5%. É preciso considerar, no entanto, que a taxa de juros de 5,5% engloba a inflação anual, fazendo com que o índice efetivo passe a ser de cerca de 3%, o que já é muito para a economia norte-americana.

Por falar em inflação, conforme sempre digo, ela é cumulativa, depois de subir não desce mais. No máximo, fica onde está. Uma diferença fundamental entre o índice inflacionário e o reajuste de salários é que os reajustes sucedem a inflação do período anterior. Assim, quando aumentos ocorrem em um mês, a partir da semana seguinte os preços voltam a se distanciar dos ganhos do trabalho.

Inflação recua 0,07% em julho, mas perdas anteriores ainda não foram compensadas nos salários

Charge do Jota. A (portalodia.com)

Pedro do Coutto

O IBGE revelou, na tarde de terça-feira, que os dados preliminares para o desempenho da inflação no mês de julho apontam para um recuo de apenas 0,07%, interrompendo a série de altas registradas a partir deste ano. O resultado decorre de uma redução nas tarifas elétricas, consequência do desempenho de Itaipu, cuja energia é transmitida por Furnas, e por uma estagnação no setor de alimentos e bebidas.

Poderia, ao meu ver, ser incluída a questão dos aluguéis já que o IGP-M recuou 7,7%. Mas não é essa apenas a questão. O alívio nos preços é extremamente positivo e um resultado que reflete em favor do governo Lula da Silva. Porém é preciso levar em conta as perdas anteriores que se acumularam no tempo e que não foram ainda repostas, sobretudo através dos salários, único instrumento real de redistribuição de renda. No O Globo, a reportagem é de Vítor da Costa. Na Folha de S. Paulo é de Leonardo Vieceli.

CUSTO DE VIDA – O problema da inflação, como sempre sustento, não deve ser medida somente por este ou aquele recuo no período de um mês. É indispensável levar com consideração pelo menos o período de 12 meses para que se possa comparar o que aconteceu com o custo de vida e o que ocorreu na escala dos salários. No caso da deflação de 0,07%, significa um recuo em relação ao mês de junho, mas no espaço relativo ao primeiro semestre as perdas ocorreram e não foram repostas nos valores do trabalho humano.

A escalada inflacionária por menor que sejacumulativa e não substitutiva. Somente se poderia dizer que a inflação recuou se os preços de julho fossem comparados com os de janeiro e não com os de junho, mês anterior. Essa distorção de cálculo se repete e se transforma num meio de ilusão quanto à verdadeira face do problema. Sem dúvida, o ritmo dos preços sofreu uma freada e talvez até pela dificuldade de o comércio manter o nível de vendas com os preços em ascensão constante.

RECUO – As perspectivas inflacionárias são favoráveis ao país e nos últimos 12 meses, segundo o IBGE, a inflação acumulada é de apenas 3,19%. Assim, torna-se inevitável o recuo de algum percentual da taxa Selic, hoje em 13,75% ao ano. A reunião mensal está marcada para agosto e a perspectiva é um corte de somente 0,25%.

Na escala relativa à incidência da Selic sobre os títulos no mercado que lastreiam o endividamento de R$ 6 trilhões, um ponto equivale a um corte de despesa do governo de R$ 60 bilhões por ano. Portanto, 0,25% significam R$ 15 bilhões por ano. Muito pouco, mas sem dúvida melhor que nada.

DEPOIMENTO –  O ministro Alexandre de Moraes, sua esposa e seus três filhos, prestaram depoimento na tarde de terça-feira à Polícia Federal em São Paulo e, reportagem de Fábio Serapião e José Marques, Folha de S. Paulo, confirmaram as agressões sofridas no aeroporto de Roma por parte da família Mantovani.  A situação da família agressora é das piores, agravada agora pelo depoimento oficial de Alexandre de Moraes.

A justiça Italiana está demorando para liberar o filme do acontecimento. Não há explicação lógica, pois ela não julgará nada, apenas liberará imagens de um fato público.  A chegada do filme, que pode acontecer a qualquer momento, dará curso ao processo criminal.

REDE CRIMINOSA –  Reportagem de Vera Araújo e Rafael Soares, O Globo de ontem, destaca a rede envolvendo uma série de criminosos no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Está sendo cogitado pela investigação oferecer delação premiada também a Roni Lessa, autor da rajada de balas.

A Polícia Federal vai identificando as ligações entre os envolvidos não só na morte de Marielle e Anderson, mas também em diversos outros crimes. Um deles, o assassinato do policial reformado Edmilson Oliveira da Silva, o Macalé, apontado como intermediário entre os mandantes do crime e Roni Lessa. Macalé foi assassinado em novembro de 2021. Era um elo importante na rede sinistra. Um homem que sabia demais.

CAIXA FINANCEIRO –  Em entrevista a Manuel Ventura, O Globo desta quarta-feira, Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional, sustenta que os governadores e prefeitos devem ter caixa financeiro no final do ano.

A ideia é evitar que pagamentos sejam adiados e, com isso, surjam complicações orçamentárias e empréstimos a bancos a juros altos. Trata-se de um ajuste na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Assassinato de Marielle e Anderson: Investigações finalmente se aproximam dos mandantes

Alguma denúncia grave estava para ser feita pela vereadora

Pedro do Coutto

Com a delação premiada do ex-PM Élcio de Queiroz, as investigações para finalmente esclarecer o assassinato, ocorrido em 2018, da vereadora Marielle Franco e do seu motorista, Anderson Gomes, aproxima-se da identificação dos mandantes e do verdadeiro motivo de terem pago a um grupo de assassinos profissionais pela tarefa de eliminar a parlamentar que se tornou um símbolo na resistência ao crime e do combate aos criminosos, que, pelas condições de suas moradias, possuíam recursos financeiros muitas vezes além do normal para profissionais da Segurança. Na verdade, eles transformaram-se em profissionais da insegurança e da morte.

Sobre o crime que ocorreu há cinco anos, reportagens de O Globo, Folha de S.Paulo e o Estado de S.Paulo, edições de ontem, chamam atenção sobre a possibilidade de que o fato que poderia ter ocorrido não em 2018, mas em 2017. Portanto, aconteceu algo no início de 2017, ou um pouco antes, que enfureceu e ameaçou os criminosos e que poderia gerar implicações mais profundas até do que as contidas no universo trágico das milícias do Rio de Janeiro.

DENÚNCIA – Alguma vinculação estava para ser denunciada publicamente pela vereadora, verdadeiro motivo de seu assassinato. Não era apenas uma denúncia sobre as milícias. Essas já haviam sido devassadas pelo então deputado estadual Marcelo Freixo. Ele, inclusive, recebia proteção policial em tempo integral. Era, pelo que se pode deduzir, uma implicação ainda mais grave, capaz de colocar em risco os financiadores da empreitada macabra que se mobilizaram ao extremo para evitar que a voz de Marielle ecoasse algo até então profundamente mantido em segredo.

No O Globo, a reportagem é de Vera Araújo. Na Folha de S. Paulo, de Camila Zarur, Fábio Serapião, Ranier Bragon, Raquel Lopes e José Marques. No Estado de S. Paulo, de Pepita Ortega, Daniel Haidar, Levi Teles, Rayanderson Guerra e Rubens Anater. As matérias foram publicadas com grande destaque, manchetes principais das três publicações e também objeto de extensas reportagens na tarde e na noite de segunda-feira pela GloboNews e pela TV Globo.

A revelação dos mandantes, é claro, não será fácil. Inclusive porque na trilha dos assassinos, foi morto um dos participantes que funcionou como uma espécie de elo entre os maiores interessados no silêncio e os que perpetraram o crime hediondo.

PISTA – Tem que haver uma pista concreta que leve aos mandantes. O que teria ocorrido em 2017 que desencadeou o projeto do assassinato? Que comentário foi feito pela própria Marielle sobre o assunto que chegou ao seu conhecimento? Serão indícios capazes de aprofundar ainda mais a investigação por parte da Polícia Federal, já que no Estado do Rio de Janeiro as investigações não saíram do papel para os fatos.

Com a delação premiada, a opinião pública brasileira sentiu, como acentuou o ministro Flávio Dino, que o avanço reduziu a distância entre os financiadores e os carrascos da noite de 2018. Máscaras caíram, mas ainda não as dos verdadeiros interessados na morte da vereadora que ficou como símbolo da resistência ao crime na Cidade do Rio de Janeiro.

Pelo que as evidências indicam, surgem sombras sobre a vinculação entre grupos políticos e o crime organizado das milícias e outros grupos que ainda não vieram à tona. Pela impressão que se tem das afirmações de Flávio Dino é provável que a Polícia Federal já possua uma relação de suspeitos que não se encontram longe de suas identificações e revelações.

Presença de Nísia Trindade na Saúde é vital para o povo e para a ética no governo

Nísia Trindade é a esperança da humanização de um sistema essencial

Pedro do Coutto

Setores do Centrão, sempre em busca de espaço cada vez maior na administração, voltaram as suas lentes para o Ministério da Saúde muito mais em função das verbas da pasta, do que pela capacidade de atendimento à população através do SUS. Por isso, a permanência da médica Nísia Trindade à frente do ministério torna-se um fator fundamental no sentido tanto da eficiência do atendimento quanto em face de um comportamento ético que tem que marcar a sua presença no governo, sobretudo na Saúde, da qual dependem diariamente centenas de milhares de homens e mulheres que não contam com recursos para recorrer aos hospitais e clínicas particulares.

Reportagem de Karolini Bandeira, O Globo desta segunda-feira, focaliza o tema de altíssima sensibilidade, porque, além da vida, relaciona-se diretamente com o bem estar humano e suas condições de trabalhar e produzir. É inaceitável os que tentam substituir a essência humana da missão por interesses presentes nos fornecimentos de remédios e materiais indispensáveis ao socorro diário destinado aos que ficam expostos às doenças e acidentes. Há também a importância essencial das vacinações que bloqueiam que o índice de moléstias aumente para situações fora de controle.

VÍTIMAS – Cada desvio de recursos na área em que atua Nísia Trindade significa, na verdade, condenar à morte milhares de pessoas que são vítimas da insuficiência de condições dignas ao longo de suas vidas. Basta ver os rios poluídos de esgotos que margeiam os becos sombrios que separam casas nas favelas do Rio de Janeiro em imagens diariamente mostradas pelo jornal da manhã da TV Globo.

Políticos, quando reivindicam o Ministério da Saúde, na verdade, não desejam fazer evoluir o setor, mas aumentar a sua participação nas compras de remédios e equipamentos, sendo que em inúmeras situações a conivência faz com que o tempo criminosamente inviabilize a utilização de medicamentos. É incrível a emoção sempre gelada dos atores da corrupção que só visam lucros imorais e ilegítimos e que se encontram sempre distantes de qualquer compromisso com a vida humana e para a dignidade com que devem ser tratadas as camadas de menor renda da população.

São essas camadas que recorrem às redes públicas de Saúde enfrentando longas filas e o desespero de não terem certeza se serão atendidas. Em inúmeros casos, têm que enfrentar a dor física à espera de que apareça um profissional para retirá-la da situação opressiva e sufocante. É indispensável, mas também pouco possível, que uma expressiva parte de políticos considere a falta de atendimento dos postos de Saúde como uma calamidade que amplia o sofrimento.

BLINDAGEM  – Essa facção só está preocupada em participar dos efeitos de compras desvinculadas do interesse público, mas vinculadas ao enriquecimento dos ladrões, verdadeiros vampiros de vidas humanas. O presidente Lula da Silva age bem em blindar Nísia Trindade. Ela é a esperança da humanização de um sistema essencial para os que sofrem e não têm certeza de que poderão ser socorridos.

É possível que Nísia Trindade não possua habilidades para lidar com reivindicações e propostas sinuosas que se repetem em sua área. Mas isso ela aprenderá em mais alguns poucos meses. Vale a pena esperar. A sociedade brasileira agradece.

CHATGPT – Reportagem de Bruno Romani, o Estado de S. Paulo de domingo, destaca reações surgidas na área da Inteligência Artificial que se voltam contra a forma usada pelo ChatGPT para acumular dados de outras plataformas em sua própria base, que colocou em prática um degrau à frente da comunicação entre os seres humanos e as máquinas que não têm nervos ou emoções.

A matéria vale a pena ser lida e analisada em suas diversas dimensões. Uma delas é levantada pelo professor Luca Delli, coordenador do Centro de Tecnologia da Fundação Getúlio Vargas. Ele questiona sobre o uso de dados por grandes modelos  da Inteligência Artificial.

Delli alega que a plataforma invadiu o seu arquivo pessoal sem autorização para isso. Creio que o tema conduza a um outro, este sim, muito mais grave: o de atribuir a alguém opiniões que não emitiu sobre diversos assuntos controversos, por exemplo. Esta hipótese, de fato, é um perigo. Fica no ar aguardando uma resposta.