Merval Pereira
Resolvida a dramática situação dos brasileiros em Gaza, é exemplar de como, na guerra, a empatia com seres humanos pode ser relegada a plano secundário devido a interesses políticos difusos. Nesse caso específico, me parece que a não inclusão de brasileiros nas primeiras levas de refugiados com permissão de deixar a Faixa de Gaza pela fronteira do Egito teve um peso político incondizente com os direitos humanos mais básicos.
Os brasileiros só foram liberados depois que ficou bastante evidente a má vontade do governo israelense, mas o fechamento depois da liberação deles faz parte do contexto de guerra em si, e não da burocracia da guerra, que emperrou os primeiros movimentos.
“JUSTIFICATIVAS” – Diversos cenários foram sendo divulgados não oficialmente para justificar a demora, como o receio de que entre os brasileiros estariam alguns infiltrados do Hamas. Essa preocupação legitima dos israelenses deve estar presente na liberação de todos os estrangeiros, e não deve ter sido exclusividade dos brasileiros.
Mas o fato é que, a partir do momento em que a Polícia Federal anunciou que havia descoberto um plano de terroristas ligados ao Hezbolah para atentados a alvos judeus dentro do nosso território, os problemas burocráticos foram superados e os brasileiros liberados.
A posição desastrada do primeiro-ministro Netanyahu de atribuir a descoberta ao Mossad, insinuando uma ingerência da agência de inteligência de Israel na Polícia Federal do Brasil, foi apenas uma das trapalhadas diplomáticas entre os dois lados.
APOIO DO BRASIL – Ficou a impressão de que o governo de Israel esperava um gesto de apoio mais explícito do governo brasileiro, e antecipou o anúncio para obrigar a um fato consumado.
Se foi isso, é um dos muitos enganos políticos ocorridos, pois o Brasil não dá apoio a terroristas, mesmo que tenha uma relação com o Irã e o Iraque mais próxima do que seria de esperar de um governo democrático ocidental.
A situação da saída dos brasileiros da Faixa de Gaza ficou assim, confusa, pois estavam misturando política com ajuda humanitária, e fica difícil entender o que realmente está acontecendo.
TRAMA SIMPLÓRIA – A disputa ridícula do ex-presidente Bolsonaro, tentando tomar para si a liberação da vinda dos brasileiros – até alegou que a conversa com o embaixador de Israel teria sido para isso – não chega a espantar, mas é surpresa que o embaixador israelense se tenha deixado enredar numa trama tão simplória, aumentando o clima de desentendimento já indevidamente alimentado por uma esquerda que trata ajuda humanitária com interesses políticos anti-israelenses.
A insatisfação do governo de Israel com o governo Lula, especialmente devido às primeiras reações no início da ação bárbara do Hamas ao invadir o território israelense, a relação do Brasil com o governo do Irã, que financia o terrorismo internacional ligado ao Hezbolah e, em menor escala, ao Hamas, tudo ajudou na formação de um ambiente de incompreensão entre os dois países.
E se o atraso da liberação dos brasileiros se deveu a este fator, que temo seja o principal motivo, foi um erro absurdo de Israel.
NADA A VER – Os brasileiros que ainda estavam lá não tinham nada a ver com os eventuais problemas da relação do Brasil com Israel. A questão humanitária tem que ficar acima destas disputas.
Mas o governo brasileiro certamente teve mais dificuldades a partir das primeiras declarações do presidente Lula, do Itamaraty e do assessor especial Celso Amorim.
A posição foi sendo reconstruída à medida que a guerra evoluía, a bússola do Brasil mudou de direção, reajustada, e há muito o país está com uma posição definida muito clara, em favor da paz e da existência dos Estados de Israel e da Palestina, o que ficou evidenciado na sua gestão na presidência do Conselho de Segurança da ONU, onde defendeu um acordo de paz tentado várias vezes, boicotado pelo poder de veto dos Estados Unidos.