Charge do Nani (nanihumor.com)
Johanns Eller
O Globo
Um documento obtido pela Polícia Federal na investigação que desencadeou a Operação Perfídia, na última terça-feira (12), revela que o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou “potenciais” e “graves” irregularidades como conluio, direcionamento e superfaturamento nas concorrências da intervenção federal do Rio – mas se eximiu da responsabilidade de apurá-los.
Em um relatório do próprio TCU encaminhado à PF em abril do ano passado, após a corporação ter solicitado informações sobre as fraudes, um auditor da secretaria responsável pelas apurações ligadas à área de Defesa afirma que, como as suspeitas já estavam sob apuração da Presidência da República, não havia “interesse de agir” e nem pretensão de instaurar um processo de controle externo.
BLINDAGEM ÓBVIA – Isso após o mesmo TCU listar, ao longo do documento, uma série de irregularidades em diferentes contratos assinados pelo gabinete chefiado pelo general Walter Braga Netto, que seria promovido a chefe do Estado Maior do Exército após o fim da intervenção.
A apuração citada pelo TCU foi aberta pela Secretaria de Controle Interno da Presidência em julho de 2020, período em que o ex-interventor Braga Netto estava à frente da Casa Civil de Jair Bolsonaro. Mas, até 2022, quando as autoridades brasileiras foram alertadas sobre o suposto esquema de corrupção por investigadores dos Estados Unidos, não se conhecia o resultado dessa apuração.
Na ocasião, a PF instaurou um inquérito e questionou o TCU se havia qualquer suspeita de irregularidade ou sobrepreço investigada pelo tribunal no certame da obscura empresa americana CTU Security, escolhida para fornecer 9.360 coletes para a Polícia Civil do Rio no valor de US$ 9,4 milhões.
RASTRO NO EXTERIOR – A Homeland Security Investigations, braço investigativo do Departamento de Segurança Nacional dos EUA, topou com o contrato da CTU Security ao investigar o envolvimento da empresa no assassinato do presidente do Haiti em 2021.
Após a apreensão do celular de um dos investigados, Glaucio Octaviano Guerra, coronel da reserva da Aeronáutica, pelas autoridades americanas em Miami, os dados encontrados no aparelho foram repassados para a Justiça brasileira. Foram encontradas mensagens com diversas pessoas sobre as tratativas para a compra dos coletes. Glaucio é apontado pela PF como o “arquiteto” do esquema criminoso da CTU.
No relatório, o TCU reconhece que, até aquele momento, não havia nenhuma apuração específica sobre o contrato. No entanto, ao ser pressionado pela PF, o tribunal deixa claro ter encontrado não apenas indícios de superfaturamento como também de conluio entre outras duas empresas, a Glágio e a Inbraterrestre, em outro contrato para o fornecimento de coletes e do direcionamento do certame em prol da CTU.
TCU ACOBERTAVA – Apesar de todos os elementos suspeitos, o tribunal ainda ressalta que, caso a investigação do governo federal concluísse pela legalidade, o processo poderia ser concluído sem sobressaltos.
Entre as evidências constatadas pelo TCU no caso da companhia americana, está o fato de que a empresa nunca havia fechado contratos com a União, mas três dias antes de o gabinete da intervenção publicar o primeiro comunicado sobre a compra no Diário Oficial da União (DOU) já tinha concedido uma procuração a um brasileiro, o advogado Marcolino Alves Rocha, para representá-la em processos licitatórios da intervenção do Rio.
O tribunal também não encontrou o contrato publicado no Diário Oficial, o que é uma exigência legal. Há, ainda, outros sinais de que o processo foi encaminhado.
GENERAL FOI AVISADO – Braga Netto, que era o interventor, já havia sido alertado pelo TCU de que só poderia fazer a compra sem licitação se os contratos fossem válidos apenas até 31 de dezembro de 2018, quando teve fim a intervenção e o mandato de Michel Temer.
Ainda assim, publicou a dispensa de licitação para a compra dos coletes da Polícia Civil nesse mesmo dia – no dia em que o contrato deveria estar se encerrando.
O TCU encontrou também indícios de conluio. Um deles foi o de Glágio não ter apresentado uma proposta para a modalidade vencida pela Inbraterrestre e vice-versa. O certame disputado pelas empresas era dividido por categorias de tamanho do colete.
SEM COMUNICAÇÃO – O documento do Tribunal de Contas da União não menciona, qualquer comunicação do gabinete de intervenção quanto a irregularidades no contrato da empresa americana.
Entre as conversas obtidas pela PF no curso da investigação está um áudio de julho de 2019 no qual o irmão de Glaucio, o ex-auditor fiscal Glauco Octaviano Guerra, manifesta apreensão quanto à possibilidade da equipe de Braga Netto acionar o tribunal para suspender o certame.
Não foi o que aconteceu, segundo relatou o tribunal à PF. Todos os três processos com dispensa de licitação tinham prazos contratuais que extrapolavam o prazo final. Ainda assim, para o TCU, não havia nada a ser apurado. Mas a PF, ao que tudo indica, entendeu de outra forma.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – A Polícia Federal é uma das raras instituições brasileiras que está em alta, sempre cumprindo suas obrigações, embora mais à frente a Justiça acabe atrapalhando a punição dos culpados. Parodiando Vinicius de Moraes, podemos dizer que, se todas as instituições funcionassem como a Polícia Federal, que maravilha viver! (C.N.)