Há quase 70 anos, uma canção se tornava um verdadeiro Hino do Dia das Mães

Herivelto e Nasser, grandes parceiros

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, escritor e letrista David Nasser (1917-1980), nascido em Jaú (SP), é autor de diversos clássicos do nosso cancioneiro popular, entre os quais “Mamãe” em parceria com Herivelto Martins, que passou a ser considerada como o hino do Dia das Mães. A música foi gravada por Ângela Maria, em 1956, pela Copacabana.

MAMÃE
Herivelto Martins e David Nasser

Ela é a dona de tudo
Ela é a rainha do lar
Ela vale mais para mim
Que o céu, que a terra, que o mar

Ela é a palavra mais linda
Que um dia o poeta escreveu
Ela é o tesouro que o pobre
Das mãos do Senhor recebeu

Mamãe, mamãe, mamãe
Tu és a razão dos meus dias
Tu és feita de amor e de esperança
Ai, ai, ai, mamãe
Eu cresci, o caminho perdi
Volto a ti e me sinto criança

Mamãe, mamãe, mamãe
Eu te lembro o chinelo na mão
O avental todo sujo de ovo
Se eu pudesse
Eu queria, outra vez, mamãe
Começar tudo, tudo de novo

Dentro de mim mora um anjo, que tem a boca pintada e me sufoca de amor

Cinco poemas de Cacaso | ERMIRA

Cacaso fez grandes poemas em belas canções

Paulo Peres
Poemas & Canções

O professor, poeta e letrista mineiro Antônio Carlos de Brito (1944-1987), conhecido como Cacaso, nos versos de “Dentro de mim mora um anjo”, em parceria com Sueli Costa, revela que existe um sujeito, uma máscara como artifício de sobrevivência, entre aquilo que ele canta e aquilo que lhe passa por dentro.

A música “Dentro de mim mora um anjo” foi gravada pela primeira vez para ser incluída na trilha sonora da novela Bravo, em 1975, da TV Globo, com a participação de Sueli Costa e, mais tarde, regravada com grande sucesso por Fafá de Balém.

DENTRO DE MIM MORA UM ANJO
Sueli Costa e Cacaso

Quem me vê assim cantando
não sabe nada de mim
dentro de mim mora um anjo
que tem a boca pintada
que tem as asas pintadas
que tem as unhas pintadas
que passa horas a fio
no espelho do toucador
dentro de mim mora um anjo
que me sufoca de amor

Dentro de mim mora um anjo
montado sobre um cavalo
que ele sangra de espora
ele é meu lado de dentro
eu sou seu lado de fora
Quem me vê assim cantando
não sabe nada de mim

Dentro de mim mora um anjo
que arrasta as suas medalhas
e que batuca pandeiro
que me prendeu nos seus laços
mas que é meu prisioneiro
acho que é colombina
acho que é bailarina
acho que é brasileiro.

“É proibido proibir”, pregava Caetano, em meio a vaias fanáticas no Festival da Canção

Ditadura e Música - Deviante

Em 1968, Caetano antevia a chegada do AI-5

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor, músico, produtor, escritor, poeta e compositor baiano Caetano Emanuel Viana Teles Veloso, na letra da música “É Proibido Proibir” revela uma série de ‘sinais’ que nos ligam ao movimento Tropicalista.

A música “É Proibido Proibir”, em 1968, foi desclassificada e amplamente repudiada durante o III Festival Internacional da Canção, proporcionando a Caetano uma estrondosa vaia. Impossibilitado de cantar pela ruidosa irritação da plateia, o compositor acabou agredindo verbalmente o público e o júri.

O valor incontestável da anárquica “É Proibido Proibir” foi registrado num compacto simples, gravado pela Philips, em 1968, que, de um lado, apresentava a composição como foi idealizada pelo autor e, do outro, mostra-a com os imprevistos do festival: as vaias do público e os protestos veementes de Caetano Veloso.

É PROIBIDO PROIBIR
Caetano Veloso

“A mãe da virgem diz que não
E o anúncio da televisão
E estava escrito no portão
E o maestro ergueu o dedo
E além da porta
Há o porteiro, sim…

E eu digo não
E eu digo não ao não
Eu digo: É!
Proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir…

Me dê um beijo meu amor
Eles estão nos esperando
Os automóveis ardem em chamas
Derrubar as prateleiras
As estantes, as estátuas
As vidraças, louças
Livros, sim…

E eu digo sim
E eu digo não ao não
E eu digo: É!
Proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir

Faça como Ariano, seja contra a morte, não tenha medo de morrer e viva para sempre

Ariano Suassuna sabia viver bem-humorado

Paulo Peres
Poemas & Canções

O dramaturgo, romancista e poeta paraibano Ariano Vilar Suassuna (1927/2014), membro da Academia Brasileira de Letras e considerado um dos maiores intelectuais brasileiros, explicou, sob a forma de soneto, as razões que o levavam a nunca envelhecer.

ABERTURA SOB PELE DE OVELHA
Ariano Suassuna

Falso Profeta, Insone, Extraviado,
Vivo, Cego, a sondar o Indecifrável:
e, jaguar da Sibila – inevitável,
meu Sangue traça a rota desse Fado.

Eu, forçado a ascender, eu, Mutilado,
busco a Estrela que chama, inapelável.
E a pulsação do Ser, fera indomável,
arde ao Sol do meu Pasto – incendiado.

Por sobre a Dor, Sarça do Espinheiro
que acende o estranho Sol, sangue do ser,
transforma o sangue em Candelabro e Veiro.

Por isso, não vou nunca envelhecer:
com meu Cantar, supero o Desespero,
sou contra a Morte e nunca hei de morrer.

Djavan à procura de um amor que era uma ilha, a centenas de milhas daqui…

Djavan 73+ lança álbum “D”: Uma proposta real à felicidade - Longevidade  Expo + Fórum

Djavan, grande nome da MPB

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor, compositor e produtor musical alagoano Djavan Caetano Viana destaca na letra de “A Ilha” que os encantos de uma mulher são mais poderosos que a própria natureza. Esta música foi gravada por Djvan no LP “Seduzir”, em 1981, pela EMI/Odeon.

A ILHA
Djavan

Um facho de luz
Que a tudo seduz por aqui
Estrela cadente reluzentemente
Sem fim
E um cheiro de amor
Empestado no ar a me entorpecer

Quisera viesse do mar e não de você
Um raio que inunda de brilho
Uma noite perdida
Um estado de coisas tão puras
Que movem uma vida
E um verde profundo no olhar
A me endoidecer

Quisera estivesse no mar e não em você
Porque seu coração é uma ilha
A centenas de milhas daqui

O decoro poético de Artur Azevedo depende de uma folha de parreira…

Artur Azevedo – Poesia traduzida no Brasil

Artur Azevedo, fundador da Academia

Paulo Peres
Poemas & Canções

O dramaturgo, jornalista, contista e poeta maranhense Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo (1855-1908) sustenta que “Por Decoro”, os olhos do seu amor, quando expostos publicamente, deveriam estar cobertos por uma discreta folha de parreira. Artur Azevedo foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.

POR DECORO
Artur Azevedo

Quando me esperas, palpitando amores,
e os lábios grossos e úmidos me estendes,
e do teu corpo cálido desprendes
desconhecido olor de estranhas flores;

quando, toda suspiros e fervores,
nesta prisão de músculos te prendes,
e aos meus beijos de sátiro te rendes,
furtando às rosas as purpúreas cores;

os olhos teus, inexpressivamente,
entrefechados, lânguidos, tranquilos,
olham, meu doce amor, de tal maneira,

que, se olhassem assim, publicamente,
deveria, perdoa-me, cobri-los
uma discreta folha de parreira.

“Lua Branca”, de Chiquinha Gonzaga, ainda é uma das serestas mais conhecidas

Chiquinha Gonzaga, aos 18 anos

Paulo Peres
Poemas & Canções

A regente, pianista e compositora carioca Francisca Hedwiges de Lima Neves Gonzaga (1847-1935) invoca da “Lua Branca” a verdade que ao amor tu dás abrigo, qual panaceia, para substituir o sofrimento que uma perda acarretou. A modinha Lua Branca faz parte do LP Ternas e Eternas Serestas lançado, em 1980, pela Atlantic/Wea.

LUA BRANCA
Chiquinha Gonzaga

Ó, lua branca de fulgor e desencanto
Se é verdade que ao amor tu dás abrigo
Vem tirar dos olhos meus o pranto
Ai, vem matar essa paixão que anda comigo

Ai, por quem és, desce do céu, ó, lua branca
Essa amargura do meu peito, ó, vem, arranca
Dá-me o luar de tua compaixão
Ó, vem, por Deus, iluminar meu coração

E quantas vezes lá no céu me aparecias
A brilhar em noite calma e constelada
E em tua luz então me surpreendias
Ajoelhado junto aos pés da minha amada
E ela a chorar, a soluçar, cheia de pejo
Vinha em seus lábios me ofertar um doce beijo
Ela partiu, me abandonou assim
Ó, lua branca, por quem és, tem dó de mim

“Vestida de azul e branco, trazendo um sorriso franco num rostinho encantador…”

David Nasser | Guia dos Quadrinhos

David Nasser compôs muitos sucessos

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, escritor e letrista paulista David Nasser (1917-1980), autor de diversos clássicos do nosso cancioneiro popular, entre os quais “Normalista”, cujo teor poético revela paixão por uma encantadora estudante. Seus parceiros relatavam que Nasser fazia letras para as músicas com a maior facilidade. O samba-canção “Normalista” foi gravado por Nelson Gonçalves, em 1949, pela RCA Victor.

NORMALISTA
Benedito Lacerda e David Nasser

Vestida de azul e branco
Trazendo um sorriso franco
Num rostinho encantador
Minha linda normalista
Rapidamente conquista
Meu coração sem amor

Eu que trazia fechado
Dentro do peito guardado
Meu coração sofredor
Estou bastante inclinado
A entregá-lo aos cuidados
Daquele brotinho em flor

Mas a normalista linda
Não pode casar ainda
Só depois que se formar
Eu estou apaixonado
O pai da moça é zangado
E o remédio é esperar.

Aprenda a envelhecer jovem como o poeta pernambucano Bastos Tigre

Relembrando a vida e a obra de Manuel Bastos Tigre – Biblioo

Bastos Tigre lendo a revista D. Quixote

Paulo Peres
Poemas & Canções

O publicitário, bibliotecário, humorista, jornalista, compositor e poeta pernambucano Manoel Bastos Tigre (1882-1957) explica no soneto “Envelhecer” que cada etapa da vida tem a sua juventude apropriada.

ENVELHECER
Bastos Tigre

Entra pela velhice com cuidado,
Pé ante pé, sem provocar rumores
Que despertem lembranças do passado,
Sonhos de glória, ilusões de amores.

Do que tiveres no pomar plantado,
Apanha os frutos e recolhe as flores
Mas lavra ainda e planta o teu eirado
Que outros virão colher quando te fores.

Não te seja a velhice enfermidade!
Alimenta no espírito a saúde!
Luta contra as tibiezas da vontade!

Que a neve caia! o teu ardor não mude!
Mantém-te jovem, pouco importa a idade!
Tem cada idade a sua juventude.

O homem de amanhã inspira o Primeiro de Maio de Chico e Milton

Domingo com Música. Chico e Milton, 'O que será, À For da Pele'

Milton e Chico, nos anos de ouro da MPB

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor, escritor, poeta e compositor carioca Chico Buarque de Holanda, na letra de “Primeiro de Maio”, usou o infindo lirismo para inverter os papéis diários do casal de trabalhadores que, neste dia, através do amor, personificarão a usina e a ferramenta tecendo o homem de amanhã. A letra dessa música foi musicada por Milton Nascimento e gravada por Milton e Chico no Compacto Cio da Terra, em 1977, pela Philips/Phonogram.

PRIMEIRO DE MAIO
Milton Nascimento e Chico Buarque

Hoje a cidade está parada
E ele apressa a caminhada
Pra acordar a namorada logo ali
E vai sorrindo, vai aflito
Pra mostrar, cheio de si
Que hoje ele é senhor das suas mãos
E das ferramentas

Quando a sirene não apita
Ela acorda mais bonita
Sua pele é sua chita, seu fustão
E, bem ou mal, é seu veludo
É o tafetá que Deus lhe deu
E é bendito o fruto do suor
Do trabalho que é só seu

Hoje eles hão de consagrar
O dia inteiro pra se amar tanto
Ele, o artesão
Faz dentro dela a sua oficina
E ela, a tecelã
Vai fiar nas malhar do seu ventre
O homem de amanhã

A antiga propaganda eleitoral de poeta Belmiro Braga está valendo até hoje

Cachaça Du Botti - O poeta brasileiro que deu nome a cidade de Belmiro  Braga. Saiba mais sobre ele👇🏼 🧐Belmiro Ferreira Braga foi um poeta,  membro e o primeiro tesoureiro da Academia

Belmiro Braga, grande poeta mineiro

Paulo Peres
Poemas & Canções

O poeta Belmiro Ferreira Braga (1872-1937), nascido em Vargem Grande (MG), fez através deste soneto a sua “Propaganda Eleitoral” e, por incrível que pareça, foi eleito, mas não assumiu, embora, em sua homenagem, seu local de nascimento tenha recebido seu nome após ser elevado à categoria de município, passando a ser chamado Belmiro Braga.

PROPAGANDA ELEITORAL
Belmiro Braga

Meu caro Coronel Martins Ferreira,
candidato extrachapa a deputado
ao congresso da Câmara Mineira,
desejo ser aí o mais votado.

A minha fé de ofício é de primeira.
Vale por um programa o meu passado,
e no congresso não direi asneira
todas as vezes…que ficar calado.

Fui caixeiro, depois fui negociante,
e do torrão natal, representante,
agora aspiro a ser como escrivão;

e, eleito, espero, mas que maravilha!
ser pai da Pátria e receber da filha
todo o subsídio, quer trabalhe ou não…

Lembrando Dolores Duran, a eterna rainha das canções de amor e desamor

Vida e obra de Dolores Duran geram monólogo musical em São Paulo com a  atriz Rosana Maris | Blog do Mauro Ferreira | G1

Dolores compunha realmente músicas geniais

Paulo Peres
Poemas & Canções

A cantora e compositora carioca Adiléa da Silva Rosa (1930-1959), conhecida como Dolores Duran, foi uma das maiores representantes do samba-canção, gênero musical onde prevaleciam a “fossa e a dor de cotovelo” nos anos 50, conforme a letra de “Castigo”, que expõe o arrependimento pela perda de um amor. O samba-canção “Castigo” foi gravado por Roberto Luna no LP “Luna Canta para Você”, lançado em 1958, pela RGE.

CASTIGO
Dolores Duran

A gente briga,
Diz tanta coisa que não quer dizer
Briga pensando que não vai sofrer
Que não faz mal se tudo terminar

Um belo dia,
A gente entende que ficou sozinha
Vem a vontade de chorar baixinho
Vem o desejo triste de voltar

Você se lembra,
Foi isso mesmo que se deu comigo
Eu tive orgulho e tenho por castigo
A vida inteira pra me arrepender

Se eu soubesse
Naquele dia o que sei agora
Eu não seria esse ser que chora
Eu não teria perdido você

“O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito”, cantava o genial Caymmi

Quem vem pra beira do mar Dorival Caymmi - Letra e Música

Caymmi tinha o mar como inspiração

Paulo Peres
Poemas & Canções

O violonista, cantor, pintor e compositor baiano Dorival Caymmi (1914-2008) construiu sua obra inspirado pelos hábitos, costumes e tradições do povo baiano, tanto que desenvolveu um estilo pessoal de compor e cantar, demonstrando espontaneidade nos versos, sensualidade e riqueza melódica.

A letra de “O Mar” relata a tragédia de Pedro, símbolo do pescador que (quando sai, nunca sabe se volta) e de Rosinha, a mulher sofrida que (vive na beira da praia) e enlouquece ao constatar que Pedro não volta mais.

“A canção “O Mar” foi gravada por Dorival Caymmi no LP Caymmi e o Mar, em 1957, pela Odeon.

O MAR
Dorival Caymmi

O mar quando quebra na praia
É bonito, é bonito
O mar… pescador quando sai
Nunca sabe se volta, nem sabe se fica
Quanta gente perdeu seus maridos seus filhos
Nas ondas do mar
O mar quando quebra na praia
É bonito, é bonito

Pedro vivia da pesca
Saia no barco
Seis horas da tarde
Só vinha na hora do sol raiá
Todos gostavam de Pedro
E mais do que todas
Rosinha de Chica
A mais bonitinha
E mais bem feitinha
De todas as mocinha lá do arraiá

Pedro saiu no seu barco
Seis horas da tarde
Passou toda a noite
Não veio na hora do sol raiá
Deram com o corpo de Pedro
Jogado na praia
Roído de peixe
Sem barco sem nada
Num canto bem longe lá do arraiá

Pobre Rosinha de Chica
Que era bonita
Agora parece
Que endoideceu
Vive na beira da praia
Olhando pras ondas
Andando rondando
Dizendo baixinho
Morreu, morreu, morreu, oh…

O mar quando quebra na praia.
É bonito, é bonito…

O “mal secreto” de Raimundo Correia ridiculariza a hipocrisia humana

A tempestade vem assombrado por onde... Raimundo Correia - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O magistrado, professor, diplomata e poeta maranhense Raimundo da Mota de Azevedo Correia (1859-1911), no soneto “Mal Secreto”, procura mostrar uma visão da hipocrisia humana, pois muitos usam uma máscara que esconde a realidade.

MAL SECRETO
Raimundo Correia

Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora,
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!

Na luta da alma, os sentimentos se misturam e enfrentam em cada um de nós

Brasília 61 anos, em 21 de abril

Limongi nos caminhos da alma

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista e poeta amazonense Vicente Limongi Netto, radicado há anos em Brasília, em poucos versos sintetizou todos os elementos e sentimentos por ele utilizados na “Luta da Alma”, que todos nós travamos intimamente.

LUTA DA ALMA            

Vicente Limongi Netto
Enfrento a escuridão
andando no corpo
sangrando apelos
ameaçando emoções
brincando com minhas ilusões
meus olhos choram
em busca do perdão
abraçados na escuridão.

Thiago de Mello, um poeta que não aprendeu a lição de que é melhor ser acomodado

Tribuna da Internet | Os Estatutos do Homem, segundo o inesquecível poeta  Thiago de MelloPaulo Peres
Poemas & Canções

O poeta amazonense Amadeu Thiago de Mello (1926-2022), no poema “Não Aprendo a Lição”, mostra como é difícil conviver no mundo feroz dos homens, frente ao poder que se alimenta da fome dos injustiçados.

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NÃO APRENDO A LIÇÃO
Thiago de Mello

A lição de conviver,
senão de sobreviver
no mundo feroz dos homens,
me ensina que não convém
permitir que o tempo injusto
e a vida iníqua me impeçam
de dormir tranquilamente.
Pois sucede que não durmo.

Frente à verdade ferida
pelos guardiães da injustiça,
ao escárnio da opulência
e o poderio dourado
cujo esplendor se alimenta
da fome dos humilhados,
o melhor é acostumar-se,
o mundo foi sempre assim.
Contudo, não me acostumo.

A lição persiste sábia:
convém cabeça, cuidado,
que as engrenagens esmagam
o sonho que não se submete.
E que a razão prevaleça
vigilante e não conceda
espaços para a emoção.
Perante a vida ofendida
não vale a indignação.
Complexas são as causas
do desamparo do povo.
Mas não aprendo a lição.
Concedo que me comovo.

Escancarada à Lua, a casa poética e musical de Walter Queiroz na Lapinha

IMMuB | Compositor - Walter Queiroz

Queiroz, 80 anos, de bem com a vida

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, publicitário, cantor e compositor baiano Walter Pinheiro de Queiroz Júnior usa várias figuras de linguagem, tornando mais bonito o conteúdo poético da letra de “Pode Entrar”, na qual ele fala da sua casa.

Walter Queiroz gravou a música “Pode Entrar” no LP “Filho do Povo”, em 1975, pela Phonogram.

PODE ENTRAR
Walter Queiroz

A casa escancarada à Lua ali
Meu cachorro nunca morde
Meu quintal tem sapoti
Tem um roseiral crescendo lindo
Quem for louco ou for poeta
Pode entrar, seja bem-vindo

Aqui passa o bonde da Lapinha
Passa a filha da rainha
Passa um disco voador
As vezes ele gira, para e pisca
Como quem quase se arrisca
A parar pra conversar

Mas não me sinto só
Tenho um vizinho
Que é um bêbado velhinho
Que acredita no destino.
Ele mora em cima do arvoredo
Ele tem muitos brinquedos
Ele sempre foi menino

Agora se vocês me dão licença
Eu vou ver um passarinho
Que me chama no quintal
Depois vou me deitar para sonhar
E dançar com a cigana
Que eu perdi no carnaval

O tempo passa, e o povo continua na vida de gado que Zé Ramalho denunciou

Zé Ramalho faz show 'Especial Dia dos Pais' em Goiânia - Goiás Notícia

Zé Ramalho, ligado no sofrimento do povo

Paulo Peres
Poemas & Canções 

O cantor e compositor paraibano José Ramalho Neto, mais conhecido como Zé Ramalho, em 1979 lançou o LP A Peleja do Diabo Com o Dono do Céu, pela EPIC/CBS, onde a música “Admirável Gado Novo” destacou-se como sucesso, mormente, pela crítica que sua letra fazia à ditadura militar e ao conformismo da maior parte do povo, comparado ao gado, “povo marcado, povo feliz”. Povo (massa) que paga impostos (dá muito mais do que recebe).

A ditadura militar acabou, mas a letra da música continua bastante atual, diante do quadro econômico-político-social vigente no país.

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ADMIRÁVEL GADO NOVO
Zé Ramalho

Vocês que fazem parte dessa massa
Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais do que receber
E ter que demonstrar sua coragem
À margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem lhe comer
Êh, oô, vida de gado
Povo marcado
Êh, povo feliz!

Lá fora faz um tempo confortável
A vigilância cuida do normal
Os automóveis ouvem a notícia
Os homens a publicam no jornal
E correm através da madrugada
A única velhice que chegou
Demoram-se na beira da estrada
E passam a contar o que sobrou!
Êh, oô, vida de gado
Povo marcado
Êh, povo feliz!

O povo foge da ignorância
Apesar de viver tão perto dela
E sonham com melhores tempos idos
Contemplam esta vida numa cela
Esperam nova possibilidade
De verem esse mundo se acabar
A arca de Noé, o dirigível,
Não voam, nem se pode flutuar
Êh, oô, vida de gado
Povo marcado
Êh, povo feliz!

Havia um farol na vida de Adalgisa Nery que a mantinha vigilante

Adalgisa Nery biografia - Guia das Artes

Adalgisa Nery, grande poeta carioca

Paulo Peres
Poemas & Canções

A jornalista e poeta carioca Adalgisa Maria Feliciana Noel Cancela Ferreira (1905-1980), mais conhecida como Adalgisa Nery, no “Poema ao Farol da Ilha Rasa” fala sobre o sentimento de vigilância que lhe era transmitido pelo farol marítimo que via da janela de seu quarto.

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POEMA AO FAROL DA ILHA RASA
Adalgisa Nery

O aviso da vida
Passa a noite inteira
Dentro do meu quarto
Piscando o olho.

Diz que vigia o meu sono
Lá da escuridão dos mares
E que me pajeia até o sol chegar.
Por isso grita em cores
Sobre meu corpo adormecido ou
Dividindo em compassos coloridos
As minhas longas insônias.

Branco
Vermelho
Branco
Vermelho
O farol é como a vida
Nunca me disse: Verde.

“No Rancho Fundo” marca a genialidade de Ary Barroso e Lamartine Babo

A cantora Elisinha Coelho, a mãe de Goulart de Andrade

Elisa Coelho foi a primeira a gravar

Paulo Peres
Poemas & Canções

O radialista, músico e compositor mineiro Ary de Resende Barroso (1903-1964) e o advogado e compositor Lamartine de Azeredo Babo, na letra de “No Rancho Fundo”, falam das desilusões amorosas de um cantor humilde na cidade grande. O samba-canção “No Rancho Fundo” foi gravado por Elisa Coelho, em 1931, pela RCA Victor.

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NO RANCHO FUNDO
Lamartine Babo e Ary Barroso

No rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo
Onde a dor e a saudade contam coisas da cidade
No rancho fundo, de olhar triste e profundo
Um moreno conta as mágoas tendo os olhos rasos d’água
Pobre moreno, que de tarde no sereno
Espera a lua no terreiro tendo o cigarro por companheiro
Sem um aceno ele pega da viola
E a lua por esmola vem pro quintal deste moreno

No rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo
Nunca mais houve alegria nem de noite nem de dia
Os arvoredos já não contam mais segredos
E a última palmeira já morreu na cordilheira
Os passarinhos internaram-se nos ninhos
De tão triste esta tristeza enche de trevas a natureza
Tudo por quê? Só por causa do moreno
Que era grande, hoje é pequeno para uma casa de sapê