O retrato daquela mulher deitada na praia, na poesia de Carlos Pena Filho

Tribuna da Internet | Um soneto muito original, bem no estilo poético de  Carlos Pena FilhoPaulo Peres
Poemas & Canções

No retrato apaixonado do advogado e poeta pernambucano Carlos Pena Filho (1929-1960), sua amada está debruçada na areia, diante do mar.

RETRATO NA PRAIA
Carlos Pena Filho

Ei-la ao sol, como um claro desafio
ao tenuíssimo azul predominante.
Debruçada na areia e assim, diante
do mar, é um animal rude e bravio.

Bem perto, há um comentário sobre estio,
mormaço e sonolência. Lá, distante,
muito vagos indícios de um navio
que ela talvez contemple nesse instante.

Mas o importante mesmo é o sol, que esse desliza
por seu corpo salgado, enxuto e belo,
como se nuvem fosse, ou quase brisa.

E desce por seus braços, e rodeia
seu brevíssimo e branco tornozelo,
onde se aquece e cresce, e se incendeia.

A genial Aquarela que Ary Barroso compôs para retratar o Brasil

Ary Barroso: músicas com letras e álbuns | Ouvir na Deezer

Ary iniciou a carreira com pianista de jazz

Paulo Peres
Poemas & Canções 

O radialista, músico e compositor mineiro Ary de Resende Barroso (1903-1964) na letra de “Aquarela do Brasil” escrita, em 1932, exalta a beleza, a grandeza, a miscigenação e seu amor pelo Brasil.

Historicamente, como foi gravada durante o governo Getúlio Vargas, a música sofreu críticas por iniciar o movimento samba-exaltação, que tinha meios ufanistas de enaltecer o potencial brasileiro, suas belezas naturais, riqueza e povo.

Vale ressaltar que, na época, o patriotismo que os brasileiros tinham pelo país não pode ser comparado com o atual. Era um sentimento de amor pelo país, que mesmo não concordando com o governo, o compositor consegue esquecer todos os problemas e ainda assim, presta um tributo ao povo e a sua terra.

Até recentemente, era a música brasileira com maior número de gravações, tendo sido ultrapassada apenas pela Garota de Ipanema, de Tom e Vinicius.

AQUARELA DO BRASIL
Ary Barroso

Brasil!
Meu Brasil brasileiro
Meu mulato inzoneiro
Vou cantar-te nos meus versos
O Brasil, samba que dá
Bamboleio, que faz gingar
O Brasil, do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil! Prá mim! Pra mim, pra mim

Ah! abre a cortina do passado

Tira a mãe preta do cerrado
Bota o rei congo no congado
Brasil! Prá mim! Pra mim, pra mim!

Deixa cantar de novo o trovador

A merencória luz da lua
Toda canção do meu amor
Quero ver a sá dona caminhando
Pelos salões arrastando
O seu vestido rendado
Brasil! Pra mim, pra mim, Brasil!
Brasil!

Terra boa e gostosa

Da morena sestrosa
De olhar indiferente
O Brasil, samba que dá
bamboleio que faz gingar
O Brasil, do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil!, Pra mim, pra mim, pra mim

Oh! esse coqueiro que dá coco

Onde eu amarro a minha rede
Nas noites claras de luar
Brasil!, Pra mim, pra mim, pra mim.

Ah! e estas fontes murmurantes

Aonde eu mato a minha sede
E onde a lua vem brincar
Ah! esse Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil brasileiro
Terra de samba e pandeiro
Brasil! Pra mim, pra mim! Brasil!
Brasil! Pra mim, Brasil!, Brasil!

Um poema singelo e emocionante, que revive a infância de todos nós

Há 159 anos morria o poeta carioca Casimiro de Abreu | Eliomar de Lima | OPOVO+Paulo Peres
Poemas & Canções 

O poeta Casimiro José Marques de Abreu (1839-1860), nascido em Barra de São João (RJ), foi um intelectual brasileiro da segunda geração romântica. Sua poesia tornou-se muito popular durante décadas, devido à linguagem simples, delicada e cativante, conforme o poema “Meus Oito Anos”, que fala da saudade de sua infância.

MEUS OITO ANOS
Casimiro de Abreu

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!

Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
– Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

Uma desesperada canção de amor que jamais poderá ser esquecida

Lp Antônio Maria E Fernando Lobo 1983, vinil fascículo

Maria, grande jornalista e compositor

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cronista, comentarista esportivo, poeta e compositor pernambucano Antônio Maria de Araújo Morais (1921-1964) entusiasta de vida noturna carioca da década de 50, juntamente com seu parceiro Fernando Lobo,  compôs uma das mais famosas canções de amor – “Ninguém Me Ama”.

Este samba-canção, gravado por Nora Ney, em 1952, pela Continental, foi composto somente por Antônio Maria, que não acreditava que a música fizesse sucesso e deu co-autoria a Fernando Lobo, em troca de parceria em uma outra canção escrita por Lobo, que todos achavam que ia fazer muito sucesso, mas isso não aconteceu. Naquela época era comum a troca de parcerias entre amigos, como Maria e Lobo.

NINGUÉM ME AMA
Fernando Lobo e Antônio Maria

Ninguém me ama, ninguém me quer,
ninguém me chama de meu amor.
A vida passa, e eu sem ninguém,
E quem me abraça não me quer bem.

Vim pela noite tão longa
de fracasso em fracasso.
E hoje descrente de tudo
me resta o cansaço.
Cansaço da vida,
cansaço de mim,
velhice chegando
e eu chegando ao fim

As eternas ilusões da vida, na visão poética de Francisco Otaviano

Francisco Otaviano amava a poesia

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, jornalista, político, diplomata e poeta carioca Francisco Otaviano de Almeida Rosa (1825-1889) em poucas palavras conseguiu transmitir a essência das “Ilusões da Vida”, um poema no qual Otaviano faz um convite à reflexão sobre a importância de ter uma vida atuante e participativa nos bons e maus momentos.

ILUSÕES DA VIDA
Francisco Otaviano

Quem passou pela vida em branca nuvem,
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu.

O presente e a irrealidade diante do amor, segundo Cecília Meireles

Aprendi com as primaveras a deixar-me... Cecília Meireles - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

A professora, jornalista e poeta carioca Cecília Meireles (1901-1964) sente no poema “Irrealidade” que não há passado nem futuro, porque tudo que ela sonha e anseia está no presente.

IRREALIDADE
Cecília Meireles

Como num sonho
aqui me vedes:
água escorrendo
por estas redes
de noite e dia.
A minha fala
parece mesmo
vir do meu lábio
e anda na sala
suspensa em asas
de alegoria.

Sou tão visível
que não se estranha
o meu sorriso.
E com tamanha
clareza pensa
que não preciso
dizer que vive
minha presença.

E estou de longe,
compadecida.
Minha vigília
é anfiteatro
que toda a vida
cerca, de frente.
Não há passado
nem há futuro.
Tudo que abarco
se faz presente.

Se me perguntam
pessoas, datas,
pequenas coisas
gratas e ingrata,
cifras e marcos
de quando e de onde,
– a minha fala
tão bem responde
que todos crêem
que estou na sala.

E ao meu sorriso
vós me sorris…
Correspondência
do paraíso
da nossa ausência
desconhecida
e tão feliz.

Ninguém exaltava a Lua como o seresteiro carioca Cândido das Neves

CANDIDO DAS NEVES – Brasil – Poesia dos Brasis – RIO DE JANEIRO -  www.antoniomiranda.com.br

Cândido, romântico ao extremo

Paulo Peres
Poemas & Canções

O instrumentista, cantor e compositor carioca Cândido das Neves (1899-1934), apelidado de Índio, descobre na “Última Estrofe” que a melancolia dos versos do trovador era semelhante a sua, porque ambas tinham como causa o término de um amor e, consequentemente, a saudade que isto acarretou. A música foi gravada por Orlando Silva, em 1935, pela RCA Victor.

ÚLTIMA ESTROFE
Cândido das Neves

A noite estava assim enluarada
Quando a voz já bem cansada
Eu ouvi de um trovador
Nos versos que vibravam de harmonia
Ele em lágrimas dizia
Da saudade de um amor
Falava de um beijo apaixonado
De um amor desesperado
Que tão cedo teve fim
E desses gritos de tormento
Eu guardei no pensamento
Uma estrofe que era assim:

Lua…
Vinha perto a madrugada
Quando em ânsias minha amada
Nos meus braços desmaiou
E o beijo do pecado
O teu véu estrelejado
A luzir glorificou

Lua…
Hoje eu vivo sem carinho
Ao relento, tão sozinho
Na esperança mais atroz
De que cantando em noite linda
Essa ingrata volte ainda
Escutando a minha voz

A estrofe derradeira, merencória
Revelava toda a história
De um amor que se perdeu
E a lua que rondava a natureza
Solidária com a tristeza
Entre as nuvens se escondeu
Cantor, que assim falas à lua
Minha história é igual à tua
Meu amor também fugiu
Disse eu em ais convulsos
E ele então, entre soluços
Toda a estrofe repetiu

Um grito de revolta de Caetano Veloso contra a ditadura militar

Caetano Veloso - Alegria, Alegria (3º Festival da MPB - 1967) | Vídeo da  final na descrição

Caetano no III Festival da MPB, em 1967

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor, músico, produtor, escritor, poeta e compositor baiano Caetano Emanuel Viana Teles Veloso, o genial Caetano Veloso, na letra da canção “Alegria, Alegria” apresentada no III Festival de MPB da TV Record, em 1967, exibia uma das mais belas canções de protesto contra o início do regime militar.

O tempo passou, não há mais ditadura militar, mas a canção continua atualíssima.

ALEGRIA, ALEGRIA
Caetano Veloso

Caminhando contra o vento
Sem lenço, sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou

O sol se reparte em crimes,
Espaçonaves, guerrilhas
Em Cardinales bonitas
Eu vou

Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot

O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não

Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço, sem documento,
Eu vou

Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome sem telefone
No coração do Brasil

Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou

Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou
Por que não, por que não…

Uma desesperada declaração de amor, na sensibilidade de Adalgisa Nery

Há 43 anos morria a poetisa carioca Adalgisa Nery | Eliomar de Lima | OPOVO+Paulo Peres
Poemas & Canções

Nesse poema, a jornalista e poeta carioca Adalgisa Maria Feliciana Noel Cancela Ferreira (1905-1980), mais conhecida como Adalgisa Nery, por ter sido casada com o pintor Ismael Nery, fala do seu amor em todos os sentidos.

EU TE AMO
Adalgisa Nery

Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.

Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita do tempo
Até a região onde os silêncios moram.

Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.

Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
Em tudo que ainda estás ausente.

Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a ideia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.

Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.

A criatura que dominou Waly Salomão para fazer versos “como quem morde”

Um poema-manifesto de Waly Salomão, propondo que se adote um frenesi pela  vida - Flávio ChavesPaulo Peres
Poemas & Canções

O advogado e poeta baiano Waly Dias Salomão (1943-2003), no poema “Amante da Algazarra”, fala sobre uma criatura sobrenatural que se apoderou dele para fazer versos em seu lugar.

AMANTE DA ALGAZARRA
Waly Salomão

Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto.
É ela !!!

Todo mundo sabe, sou uma lisa flor de pessoa,
Sem espinho de roseira nem áspera lixa de folha de figueira.
Esta amante da balbúrdia cavalga encostada ao meu sóbrio ombro
Vixe!!!

Enquanto caminho a pé, pedestre – peregrino atônito até a morte.
Sem motivo nenhum de pranto ou angústia rouca ou desalento:
Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar.
É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto
E se apossou do estojo de minha figura e dela expeliu o estofo.

Quem corre desabrida
Sem ceder a concha do ouvido
A ninguém que dela discorde
É esta selvagem sombra acavalada que faz versos como quem morde.

Um poema que mostra até que ponto chegava o amor de Vinicius de Moraes

Os 10 melhores poemas de Vinícius de MoraesPaulo Peres
Poemas & Canções

O diplomata, advogado, jornalista, dramaturgo, compositor e poeta , Vinícius de Moraes (1913-1980) foi um poeta essencialmente lírico, e notabilizou-se pelos seus sonetos, como o belíssimo “Soneto do Amor Total”, que se refere a sua realidade interior do poeta, confessando seus sentimentos dirigidos à pessoa amada.

SONETO DO AMOR TOTAL
Vinicius de Moraes

Amo-te tanto, meu amor… não cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, como grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo, de repente
Hei-de morrer de amar mais do que pude.

Naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim

Naquela Mesa: Saudade do pai fez nascer clássico da música nacional - Gazeta de São Paulo

Elizeth Cardoso gravou “Naquela Mesa”

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista e compositor carioca Sérgio Freitas Bittencourt (1941-1979) compôs “Naquela Mesa” em homenagem póstuma ao seu pai, o compositor Jacob do Bandolim, e a saudade que ele deixou. Esta samba-choro foi gravado por Elizeth Cardoso em seu LP “Preciso aprender a ser só″, em 1972, pela Copacabana.

NAQUELA MESA
Sérgio Bittencourt

Naquela mesa ele sentava sempre
E me dizia sempre, o que é viver melhor.
Naquela mesa ele contava histórias,
Que hoje na memória eu guardo e sei de cor.

Naquela mesa ele juntava gente
E contava contente o que fez de manhã.
E nos seus olhos era tanto brilho,
Que mais que seu filho, eu fiquei seu fã.

Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa no canto, uma casa e um jardim.
Se eu soubesse o quanto doi a vida,
Essa dor tão doída não doía assim.

Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala no seu bandolim.
Naquela mesa tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim.

“Com o Brasil caminhando desse jeito, não se sabe onde ele vai chegar…”

Chico Salles, grande cantor paraibano

Paulo Peres
Poemas & Canções

O engenheiro civil, cantor, compositor e cordelista paraibano Francisco de Salles Araújo (1951-2017), neste martelo agalopado, deixou seu pensamento percorrer “Os Caminhos do Brasil”.

OS CAMINHOS DO BRASIL
Chico Salles

Com o Brasil caminhando desse jeito
Não se sabe onde ele vai chegar.
Esse papo vem do meu pensamento
Sem querer envolver outra pessoa
Falo assim deste jeito e numa boa,
Escrevendo aqui o meu lamento,
Construir uma família é um tormento
A canção não se tem pra quem mostrar
No amigo não se pode confiar
Eu só vejo vaidade e preconceito,
Com o Brasil caminhando desse jeito
Não se sabe onde ele vai chegar.

Nossos rios estão todos poluídos
Nossa mata tá sendo derrubada
Guris assaltando a mão armada
O saber bem longe dos oprimidos
Os homens cada vez mais desunidos
O futuro demorando a chegar
Assim é difícil ate sonhar
Nunca mais ouvi falar em respeito,
Com o Brasil caminhando desse jeito
Não se sabe onde ele vai chegar.

As noticias nos deixam descontentes
Confusas com assuntos arrumados
Ate os escritores renomados
São a todos os fatos indiferentes
Tão de férias descansando e ausentes
Omissos e sem nada a declarar
Quando é que iremos despertar
E exigir o que nos é de direito,
Com o Brasil caminhando desse jeito
Não se sabe onde ele vai chegar.

O progresso aqui é só pretexto
Cresce mesmo é a ponta da miséria
Esta é a afirmação mais séria
Que trago neste meu martelo texto
Afirmando, confirmando no contexto
Já saí por aí a pesquisar
Com tristeza e revolta constatar,
Para aqui apontar este conceito,
Com o Brasil caminhando desse jeito
Não se sabe onde ele vai chegar.

Na política é só corrupção
O modelo econômico indecente
A impunidade está presente
Muita hipocrisia e ambição
O descaso com a população
Tá na hora do povo acordar
Botar fogo para a chapa esquentar
E da vida tirar melhor proveito,
Com o Brasil caminhando desse jeito
Não se sabe onde ele vai chegar.

E assim, sempre pela contra mão.
A família tem a bolsa como esmola
Juventude aí cheirando cola
A maior desgraça da Nação
Sem saber o que é educação,
A TV ajudando alienar
Algum dia esse bicho vai pegar
A causa passará a ser efeito,
Com o Brasil caminhando desse jeito
Não se sabe onde ele vai chegar.

Adélia Prado declara amor ao mundo, apesar do sofrimento inerente à vida

Tribuna da Internet | “Eu quero uma licença de dormir, perdão pra descansar  horas a fio…'Paulo Peres
Poemas & Canções

A professora, escritora e poeta mineira Adélia Luzia Prado de Freitas , no poema “O Tesouro Escondido”, afirma seu amor ao mundo e à natureza, apesar do sofrimento inerente à vida.

O TESOURO ESCONDIDO
Adélia Prado

Tanto mais perto quanto mais remoto,
o tempo burla as ciências.
Quantos milhões de anos tem o fóssil?
A mesma idade do meu sofrimento.
O amor se ri de vanglórias,
de homens insones nas calculadoras.
O inimigo invisível se atavia,
pra que eu não diga o que me faz eterna:
te amo, ó mundo, desde quando
irrebelados os querubins assistiam.
De pensamentos aos quais nada se segue,
a salvação vem de dizer: adoro-Vos,
com os joelhos em terra, adoro-Vos,
ó grão de mostarda aurífera,
coração diminuto na entranha dos minerais.
Em lama, excremento e secreção suspeitosa,
adoro-Vos, amo-Vos sobre todas as coisas.

Tom Jobim e a canção que afetou sua amizade com Ronaldo Bôscoli

Cd Antonio Carlos Jobim And Friends - Coleção Folha Tributo a Tom Jobim  Interprete Antonio Carlos Jobim e Amigos (1996) [usado]

“Luiza” foi incluída neste LP, de 1975

Paulo Peres
Poemas & Canções

O maestro, instrumentista, arranjador, cantor e compositor carioca Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (1927-1994) é considerado o maior expoente de todos os tempos da música brasileira e um dos criadores do movimento da bossa nova.

A letra da música “Luiza” é impregnada de amor e sexo. Esta música faz parte do LP Antonio Carlos Jobim & Friends, gravado, em 1975, pela Philips.

Ao compor essa canção, Tom teve dificuldades com o encerramento. Pediu ajuda a Ronaldo Bôscoli, que criou as sete cores e os sete mil amores que deram um final grandioso à canção. Quando o diso foi lançado, Bôscoli ficou furioso porque Tom não lhe deu parceria na canção e esse incidente prejudicou muito a amizade entre os dois. 

LUIZA
Tom Jobim

Rua
Espada nua
Boia no céu imensa e amarela
Tão redonda a lua
Como flutua
Vem navegando o azul do firmamento
E no silêncio lento
Um trovador, cheio de estrelas

Escuta agora a canção que eu fiz
Pra te esquecer Luiza
Eu sou apenas um pobre amador
Apaixonado
Um aprendiz do teu amor
Acorda amor
Que eu sei que embaixo desta neve
mora um coração

Vem cá, Luiza
Me dá tua mão
O teu desejo é sempre o meu desejo
Vem, me exorciza
Dá-me tua boca
E a rosa louca
Vem me dar um beijo
E um raio de sol
Nos teus cabelos
Como um brilhante que partindo a luz
Explode em sete cores
Revelando então os sete mil amores
Que eu guardei somente pra te dar Luiza
Luiza
Luiza

Alice Ruiz faz uma bela paródia de “José”, de Carlos Drummond

Salvador: Alice Ruiz ministra oficina do Projeto Escritas em Trânsito -  Jornal Grande Bahia (JGB)

Alice Ruiz é a poesia em pessoa

Paulo Peres
Poemas & Canções

A publicitária, tradutora, compositora e poeta curitibana Alice Ruiz Scherone, no poema “Drumundana” faz uma paródia feminina de “José”, um dos poemas mais conhecidos de Carlos Drummond de Andrade. 

DRUMUNDANA
Alice Ruiz

e agora Maria?
o amor acabou
a filha casou
o filho mudou
teu homem foi pra vida
que tudo cria
a fantasia
que você sonhou
apagou
à luz do dia

e agora Maria?
vai com as outras
vai viver
com a hipocondria

Somos uma bússola sem norte, na poesia de Alphonsus de Guimaraens

Veredas da Língua: ALPHONSUS DE GUIMARAENS – O SOLITÁRIO DE MARIANAPaulo Peres
Poemas & Canções

O juiz e poeta mineiro Afonso Henriques da Costa Guimaraens (1870-1921), que adotou o nome de Alphonsus de Guimaraens, afirma no soneto “Cantem Outros a Clara Cor Virente” que cada um de nós é uma bússola sem norte.

CANTEM OUTROS A CLARA COR VIRENTE
Alphonsus de Guimaraens

Cantem outros a clara cor virente
Do bosque em flor e a luz do dia eterno…
Envoltos nos clarões fulvos do oriente,
Cantem a primavera: eu canto o inverno.

Para muitos o imoto céu clemente
É um manto de carinho suave e terno:
Cantam a vida, e nenhum deles sente
Que decantando vai o próprio inferno.

Cantem esta mansão, onde entre prantos
Cada um espera o sepulcral punhado
De úmido pó que há de abafar-lhe os cantos…

Cada um de nós é a bússola sem norte.
Sempre o presente pior do que o passado
Cantem outros a vida: eu canto a morte

Uma canção magistral de Taiguara que foi censurada sem haver motivo

Taiguara: a voz mais censurada pela ditadura, por Carlos Motta -

Taiguara foi o cantor mais censurado do país

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor e compositor Taiguara Chalar da Silva (1945-1996)nascido no Uruguai durante uma temporada de espetáculos de seu pai, o bandoneonista e maestro Ubirajara Silva, foi um dos melhores compositores da MPB e considerado um dos símbolos da resistência à ditadura militar, tanto que teve, aproximadamente, 100 músicas vetadas, razão que o levou a se autoexilar na Inglaterra em meados de 1973.

A letra da música “Hoje” inicialmente foi censurada, sob alegação de fazer alusão ao governo militar, à tortura ( trago em meu corpo, as marcas do tempo) e insinuar que a sociedade era infeliz sob o comando da ditadura militar. A música enfim foi liberada e gravada por Taiguara no LP Hoje, em 1969, pela EMI-Odeon.

HOJE
Taiguara

Hoje
Trago em meu corpo as marcas do meu tempo
Meu desespero, a vida num momento
A fossa, a fome, a flor, o fim do mundo…

Hoje
Trago no olhar imagens distorcidas
Cores, viagens, mãos desconhecidas
Trazem a lua, a rua às minhas mãos,

Mas hoje,
As minhas mãos enfraquecidas e vazias
Procuram nuas pelas luas, pelas ruas…
Na solidão das noites frias por você.

Hoje
Homens sem medo aportam no futuro
Eu tenho medo, acordo e te procuro
Meu quarto escuro é inerte como a morte

Hoje
Homens de aço esperam da ciência
Eu desespero e abraço a tua ausência
Que é o que me resta, vivo em minha sorte

Sorte
Eu não queria a juventude assim perdida
Eu não queria andar morrendo pela vida
Eu não queria amar assim como eu te amei.

Aqui é o fim do mundo, segundo Torquato Neto e Gilberto Gil

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cineasta, ator, jornalista, poeta e letrista piauiense Torquato Pereira de Araújo Neto (1944-1972) é considerado um dos principais integrantes do movimento Tropicalista. “A letra de Marginália II, explica o professor José Geraldo da Silva, do Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos, “mostra um depoimento de um locutor virtual, ao falar de sua história, confessando sua culpa e sua comodidade diante dos fatos e da realidade de sua pátria”.

Para o professor, “há um misto de valores dos quais se apropria para mencionar sua visão crítica e irônica do lugar em que vive, mas que nada faz de concreto para que sua realidade mude. O título apresenta uma carga semântica que nos permite inferir que há uma menção a todos que vivem à margem do sistema por medo de assumir uma identidade patriótica e as implicações sociopolíticas  que isso pode acarretar”.  A música “Marginália II“ foi gravada no LP Gilberto Gil, em 1968, pela Universal.

MARGINÁLIA II
Gilberto Gil e Torquato Neto

Eu, brasileiro, confesso
Minha culpa, meu pecado
Meu sonho desesperado
Meu bem guardado segredo
Minha aflição

Eu, brasileiro, confesso
Minha culpa, meu degredo
Pão seco de cada dia
Tropical melancolia
Negra solidão

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo

Aqui, o Terceiro Mundo
Pede a bênção e vai dormir
Entre cascatas, palmeiras
Araçás e bananeiras
Ao canto da juriti

Aqui, meu pânico e glória
Aqui, meu laço e cadeia
Conheço bem minha história
Começa na lua cheia
E termina antes do fim

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo

Minha terra tem palmeiras
Onde sopra o vento forte
Da fome, do medo e muito
Principalmente da morte
Olelê, lalá

A bomba explode lá fora
E agora, o que vou temer?
Oh, yes, nós temos banana
Até pra dar e vender
Olelê, lalá

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo

O amor desesperado que Alvares de Azevedo jamais conseguiu alcançar

Feliz daquele que no livro d'alma não... Álvares de Azevedo - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O dramaturgo, ensaísta, contista e poeta paulista Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831-1852) desesperadamente declara que deseja viver todos os momentos junto de sua amada. As obras de Álvares de Azevedo tendem a jogar fortemente com as noções opostas, como amor e morte, sentimentalismo e pessimismo, platonismo e sarcasmo, sendo influenciado por Musset, Chateaubriand, Lamartine, Goethe em principalmente, Byron.

Morreu muito cedo, aos 20 anos, mas já era um poeta tão conhecido que se tornou patrono da cadeira nº 2 da Academia Brasileira de Letras. 

AMOR
Álvares de Azevedo

Amemos! Quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu’alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!

Quero em teus lábios beber
Os teus amores do céu,
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d’esperança,
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!

Vem, anjo, minha donzela,
Minha alma, meu coração!
Que noite, que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!