Um poema clássico de Casimiro de Abreu, que jamais será esquecido

Romancistas Essenciais - Casimiro de Abreu eBook de Casimiro de Abreu -  EPUB Livro | Rakuten Kobo BrasilPaulo Peres
Poemas & Canções

O poeta Casimiro José Marques de Abreu (1839-1860), nascido em Barra de São João (RJ), foi um intelectual brasileiro da segunda geração romântica. Sua poesia tornou-se muito popular durante décadas, devido à linguagem simples, delicada e cativante, conforme o poema “Meus Oito Anos”, que fala da saudade de sua infância.

MEUS OITO ANOS
Casimiro de Abreu

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!

Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
– Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

Que nossos amigos estejam salvos do perigo, no primeiro abrigo, diz o poeta Jatobá

Augusto Jatobá

Jatobá, poeta e compositor baiano

Paulo Peres
Poemas & Canções

O arquiteto, publicitário, artista plástico, designer, diagramador, arte-finalista, cantor e compositor baiano José Carlos Augusto Jatobá compara os “Pés de Milho” com o cotidiano das pessoas. A música Pés de Milho faz parte do LP Capim Verde gravado por Elba Ramalho, em 1980, pela Sony Music.

PÉS DE MILHO
Jatobá

Pés de milhos, andarilhos,
com os nossos filhos.
Procurando vinte milhas,
pelas nossas filhas.
Protegendo milharais
como as nossas mães.
Perseguindo os animais,
como os nossos pais.
Comparando a rouxinóis,
tal nossos avós.
Flutuando pelos rios,
como os nossos tios.
Fungos, cogumelos, limos,
como nossos primos.
Tanta gente tão aflita,
que eu nem sei ainda,
se transformo trigo em Pão,
prá nossos irmãos,
ou transformo pão em trigo,
prá nossos amigos,
que estão salvos do perigo,
do primeiro abrigo,
procurando girassóis,
como todos nós.

Ana Cristina Cesar, genial poeta, em busca de um amor cada vez mais difícil

Ana Cristina Cesar: homenageada da Flip | Dante FilhoPaulo Peres
Poemas & Canções

A professora, tradutora e poeta carioca Ana Cristina Cruz Cesar (1952-1983) é considerada um dos principais nomes da chamada geração mimeógrafo (ou poesia marginal) da década de 1970. No poema “Samba-Canção”, Ana Cristina revela que fez tudo para o seu amor gostar, porque ela queria apenas carinho.

SAMBA-CANÇÃO
Ana Cristina Cesar

Tantos poemas que perdi.
Tantos que ouvi, de graça,
pelo telefone – taí,
eu fiz tudo pra você gostar,
fui mulher vulgar,
meia-bruxa, meia-fera,
risinho modernista
arranhando na garganta,
malandra, bicha,
bem viada, vândala,
talvez maquiavélica
e um dia emburrei-me,
vali-me de mesuras
(era uma estratégia),
fiz comércio, avara,
embora um pouco burra,
porque inteligente me punha
logo rubra, ou ao contrário,
cara pálida que desconhece
o próprio cor-de-rosa,
e tantas fiz, talvez
querendo a glória, a outra
cena à luz de spots,
talvez apenas teu carinho,
mas tantas, tantas fiz…

Zé Ramalho e a libertação da consciência humana para a consciência espiritual.

Acervo Cultural Zé Ramalho: O novo CD com músicas inéditas

Zé Ramalho canta suas reflexões

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor e compositor paraibano José Ramalho Neto, mais conhecido como Zé Ramalho, na letra de “A Terceira Lâmina”, fala da libertação da consciência humana para a consciência espiritual. A música intitulou o LP A Terceira Lâmina gravado por Zé Ramalho, em 1981, pela EPIC/CBS. 

A TERCEIRA LÂMINA
Zé Ramalho

É aquela que fere,
que virá mais tranqüila
com a fome do povo,
com pedaços da vida
com a dura semente,
que se prende no fogo
de toda multidão,
acho bem mais do que
pedras na mão
dos que vivem calados,
pendurados no tempo
esquecendo os momentos,
na fundura do poço,
na garganta do fosso,
na voz de um cantador

E virá como guerra,
a terceira mensagem,
na cabeça do homem,
aflição e coragem
afastado da terra,
ele pensa na fera,
que o começa a devorar,
acho que os anos
irão se passar
com aquela certeza,
que teremos no olho
novamente a ideia,
de sairmos do poço
da garganta do fosso
na voz de um cantador

O sonho de o ser humano tornar-se eterno, na poesia de Carlos Nejar

Carlos Nejar lança livro com poemas sobre as tragédias brasileiras

Carlos Nejar, grande poeta gaúcho.

Paulo Peres
Poemas & Canções

O crítico literário, tradutor, ficcionista e poeta gaúcho Luís Carlos Verzoni Nejar, membro da Academia Brasileira de Letras, no poema “Crença”, aborda o sonho do ser humano tornar-se eterno.

CRENÇA
Carlos Nejar

Ainda serei eterno.
Não sei quando.
Sei que a sombra se alonga
e eu me alongo,
bólide na erva.

Ainda serei eterno.
Tenho ânsias cativas
no caderno. Cortejo
de símbolos, navios
e nunca mais me encerro
no meu fio.

Ainda serei eterno.
O mês finda, o ano,
o recomeço.
E o fraterno em mim
quer campo, monte, algibe.
Mas sou pequeno
para tanto aceno.
Metáforas me prendem
o eterno
que se pretende isento.

Numa dobra me escondo;
Noutra, deito.
Os nomes me percorrem no poente.
Sou sobrevivente
de alguma alta esfera
que saía de si mesma
e é primavera.

O eterno ainda será viável
como o sol, o dia,
o vento,
misturado ao que me entende
e transborda.
Misturado ao permanente
que me sobra.

O coração do poeta era como um rio, a chorar de queda em queda…

Olhando O Rio | Poema de Belmiro Ferreira Braga com narração de Mundo Dos  Poemas - YouTubePaulo Peres
Poemas & Canções 

O poeta Belmiro Ferreira Braga (1872-1937), nascido em Vargem Grande (MG), no soneto “Olhando o Rio”,  compara o transcurso do rio com o sofrimento de seu coração tristonho.

OLHANDO O RIO
Belmiro Braga

Nas noites claras de luar, costumo
ir das águas ouvir o vão lamento;
e, após o ouvi-las, cauteloso e atento
que o rio também sofre, eis que presumo.

Nesse que leva tortuoso rumo,
que fado triste e por demais cruento:
Vai deslizando agora doce e lento
e agora desce encachoeirado e a prumo.

O dorso aqui lhe encrespa leve brisa,
ali o deslizar calhau lhe veda;
além, de novo, sem fragor, desliza…

És como o rio, coração tristonho:
Se ele vive a chorar de queda em queda,
vives tu a gemer de sonho em sonho.

Chico Buarque e o desafio de compor a música Beatriz, com o amigo Edu Lobo

Letícia Colin faz aulas de circo para filme - Patrícia Kogut, O Globo

Letícia Colin interpretou Beatriz no cinema

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor, escritor, poeta e compositor carioca Chico Buarque de Holanda, buscou inspiração para fazer a letra da música “Beatriz”, tanto que se baseou num poema de Jorge Lima, onde a personagem chamava-se Agnes e era equilibrista, mas chegou a um ponto que a letra não saía com esse nome, Agnes. Então, passados alguns dias, surgiu o nome “Beatriz”, que era a musa inspiradora de Dante Alighieri, a qual podemos notar quando Chico faz alusão ao citar na letra “comédia” e “divina”, mencionando outra obra de Dante, A Divina Comédia.

Dizem que Dante viu Beatriz uma única vez, e nunca falou com ela, nutrindo uma paixão que iria inspirar seus poemas. Beatriz é uma das canções do musical “O Grande Circo Místico”, cujo disco com o mesmo nome foi lançado, em 1983, pela Som Livre.

BEATRIZ
Edu Lobo e Chico Buarque

Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz

Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Olha
Será que ela é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida

Um soneto romântico de Aurélio Buarque de Holanda, que entendia de palavras

Figuras da Linguagem (II): Aurélio Buarque de Holanda

Aurelio era um imortal muito bem-humorado

Paulo Peres
Poemas & Canções

O crítico literário, lexicógrafo, filólogo, professor, tradutor e ensaísta alagoano, Aurélio Buarque de Holanda (1910-1989), grande dicionarista brasileiro, também sabia usar as palavras para nos brindar com este belo soneto “Amar-te”.

AMAR-TE
Aurélio Buarque de Holanda

Amar-te – não por gozo da vaidade,
Não movido de orgulho ou de ambição,
Não à procura da felicidade,
Não por divertimento à solidão.

Amar-te – não por tua mocidade
– Risos, cores e luzes de verão –
E menos por fugir à ociosidade,
Como exercício para o coração.

Amar-te por amar-te: sem agora,
Sem amanhã, sem ontem, sem mesquinha
Esperança de amor, sem causa ou rumo.

Trazer-te incorporada vida fora,
Carne de minha carne, filha minha,
Viver do fogo em que ardo e me consumo.

Bastos Tigre se defende da acusação de uma mulher que ele teria difamado

Bastos Tigre | Poemas, Frases motivacionais, PensamentosPaulo Peres
Poemas & Canções

O publicitário, bibliotecário, engenheiro, humorista, jornalista, compositor e poeta pernambucano Manoel Bastos Tigre (1882-1957), no soneto “Argumento de Defesa”, ao ser acusado de caluniar uma senhora, apresenta o seu melhor argumento de defesa, embora preconceituoso, ou seja,  ele sempre achou-a feia demais para não ser honesta.

ARGUMENTO DE DEFESA
Bastos Tigre

Disse alguém, por maldade ou por intriga,
que eu de Vossa Excelência mal dissera:
que tinha amantes, que era “fácil”, que era
da virtude doméstica, inimiga.

Maldito seja o cérebro que gera
infâmias tais que, em cólera, maldigo!
Se eu disser tal, que tenha por castigo
o beijo de uma sogra ou de outra fera!

Ponho a mão espalmada na consciência
e ela, senhora, impávida, protesta
contra essa intriga da maledicência!

Indague a amigos meus: qualquer atesta
que eu acho e sempre achei Vossa Excelência
feia demais para não ser honesta…

Na Serenata de Meyer, geme o violão pelos ares, corda a corda, dedo a dedo…

Augusto Meyer | Leveza e EsperançaPaulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, folclorista, ensaísta, memorialista e poeta gaúcho Augusto Meyer (1902-1970) foi membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filologia. Romântico, compôs uma “Serenata” pelas noites enluaradas do outono.

SERENATA
Augusto Meyer

Ai luares de outono, ai luares
lá na rua do Arvoredo!
Serenatas e cantares
Até quase manhã cedo!

Geme o violão pelos ares
corda a corda, dedo a dedo,
abre o peito, e ao cantares
alivia o teu segredo!

Lá se vão de rua em rua,
flauta, violão, cavaquinho
lá se vão ladeira abaixo.

Treme nas águas a lua
e o luar bate, branquinho,
na velha ponte do Riacho.

Em versos, a declaração do amor de Castro Alves à atriz Eugênia Câmara

Como eu Vi Castro Alves e Eugênia Câmara no Vendaval Maravilhoso de suas  Vidas - Leitão de Barros - Traça Livraria e Sebo

O poeta amava a atriz desesperadamente

Paulo Peres
Poemas & Canções

O baiano Antônio de Castro Alves (1847-1871), conhecido como poeta abolicionista, tem seu nome vinculado também à música popular brasileira, especialmente ao gênero “modinha”, muito cultivado pelos poetas românticos na segunda metade do século XIX. Teve vários de seus poemas musicados. O mais famoso é, sem dúvida, “O Gondoleiro do Amor”, com música de Salvador Fábregas, gravada por Mário Pinheiro, em 1912, pela Record.

Os versos são construídos com antíteses, refrão, metáforas, hipérbole e vocativo, numa barcarola dedicada a Eugênia Câmara, atriz portuguesa e o grande amor de Castro Alves. Vale ressaltar a associação da cor dos olhos da “dama negra” com a ideia de profundidade.

Em 1941, a modinha “O Gondoleiro do Amor” foi cantada por Sílvio Caldas, acompanhado por um coro de 30 mil vozes regidas pelo maestro Villa-Lobos no estádio de São Januário, pertencente ao Clube de Regatas Vasco da Gama, no Rio de Janeiro.

FELICIDADE É DOM
Salvador Fábregas e Castro Alves

Teus olhos são negros, negros,
Como as noites sem luar…
São ardentes, são profundos,
Como o negrume do mar;

Sobre o barco dos amores,
Da vida boiando à flor,
Douram teus olhos a fronte
do Gondoleiro do amor.

Tua voz é a cavatina
Dos palácios de Sorrento,
Quando a praia beija a vaga,
Quando a vaga beija o vento;

E como em noites de Itália,
Ama um canto o pescador,
Bebe a harmonia em teus cantos
O Gondoleiro do amor.

Teu sorriso é uma aurora,
Que o horizonte enrubesceu,
-Rosa aberta com o biquinho
Das aves rubras do céu.

Nas tempestades da vida
Das rajadas no furor,
Foi-se a noite, tem auroras
O Gondoleiro do amor.

Teu seio é vaga dourada
Ao tíbio clarão da lua,
Que, ao murmúrio das volúpias,
Arqueja, palpita nua;

Como é doce, em pensamento,
Do teu colo no languor
Vogar, naufragar, perder-se
O Gondoleiro do amor!?…

Teu amor na treva é – um astro,
No silêncio uma canção,
É brisa – nas calmarias,
É abrigo – no tufão;

Por isso eu te amo querida,
Quer no prazer, quer na dor…
Rosa! Canto! Sombra! Estrela!
Do Gondoleiro do amor

A tragédia de Branca Dias, condenada à fogueira da Inquisição pelo amor proibido 

REGINA DUARTE (NAMORADINHA DO BRASIL): REGINA DUARTE É BRANCA DIAS NA PEÇA  DE TEATRO, O SANTO INQUÉRITO (1978)

Regina Duarte viveu Branca Dias no teatro

Paulo Peres
Poemas e Canções 

O professor e poeta Antônio Carlos Ferreira de Brito, mineiro de Uberaba e conhecido como Cacaso (1944-1987), tem o seu lugar entre os gênios que fazem a história da Música Brasileira em seus diversos estilos populares. “Branca Dias” tem parceria de Edu Lobo e faz parte do seu LP Camaleão, gravado em 1978, pela Polygram/Philips.

Essa é uma das músicas incluídas na peça “O Santo Inquérito”, de Dias Gomes, cuja letra reproduz a poesia que os movimentos do vento transmitem, comparando-o com os dias de sofrimento vividos por Branca Dias, personagem que devido a conduta do Padre Bernardo para com ela, que, a princípio, era a de conduzi-la à ortodoxia da fé e expurgá-la de seus pecados, todavia quando a paixão carnal começa a queimá-lo por dentro, ele vê que só a condenação dela poderá livrá-lo da perdição do inferno e, consequentemente, condena Branca Dias a ser queimada viva na fogueira da Inquisição.

BRANCA DIAS
Edu Lobo e Cacaso

Esse soluço que ouço, que ouço
Será o vento passando, passando
Pela garganta da noite, da noite
A sua lâmina fria, tão fria
Será o vento cortando, cortando
Com sua foice macia, macia
Será um poço profundo, profundo
Alvoroço, agonia

Será a fúria do vento querendo
Levar teu corpo de moça tão puro
Pelo caminho mais longo e escuro
Pela viagem mais fria e sombria
Esse seu corpo de moça tão branco
Que no clarão do luar se despia
Será o vento noturno clamando
Alvoroço, agonia

Será o espanto do vento querendo
Levar teu corpo de moça tão puro
Pelo caminho mais longo e escuro
Pela viagem mais fria e sombria
Esse soluço que ouço, que ouço
Esse soluço que ouço, que ouço

Em poucos versos, Affonso Romano faz uma bela e precisa definição de amor 

Acervo Pernambuco - Affonso Romano de Sant'Anna encara as demandas do tempo

Affonso Romano, grande poeta

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista e poeta mineiro Affonso Romano de Sant’Anna, no poema “Arte Final”, explica que não é somente um imenso amor que nos leva a poetizar.

ARTE FINAL
Affonso Romano de Sant’Anna

Não basta um grande amor
para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
que o amor da gente.

O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.

Uma coisa é a letra,
e outra o ato,
quem toma uma por outra
confunde e mente.

A coisa mais fina do mundo é o sentimento, o amor, ensina Adélia Prado

Amor pra mim é ser capaz de permitir... Adélia Prado - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

A professora, escritora e poeta mineira Adélia Luzia Prado de Freitas, no poema “Ensinamento”, fala de opiniões e sentimentos.

ENSINAMENTO
Adélia Prado

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.

Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
“Coitado, até essa hora no serviço pesado”.
Arrumou pão e café,
deixou tacho no fogo com água quente.

Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

Conheça uma balada quase metafísica, com duração, tempo e espaço 

Biblioteca do Senado Federal - Abgar Renault foi um professor, educador,  político, poeta, ensaísta e tradutor brasileiro. Seu primeiro livro de  poesia, “Sofotulafai”, foi publicado em 1972; seguido por “Sonetos Antigos”  e “Paulo Peres
Poemas & Canções

O professor, tradutor, ensaísta e poeta mineiro Abgar de Castro Araújo Renault (1901-1995), no poema “Balada Quase Metafísica”, implora a Deus que tenha pena dele.

BALADA QUASE METAFÍSICA
Abgard Renault

Eu estou assim
absolutamente irremediável
por dentro e por fora, acordado ou dormindo
na Duração, no Tempo e no Espaço.

Eu sou assim:
sem cômodo comigo, sem pouso, sem arranjo aqui dentro.
Quero sair, fugir para muito longe de mim.
Todas as portas e janelas estão irrevogavelmente trancadas
na Duração, no Tempo e no Espaço.

Que é que eu vou fazer?
Não fica bem, assim sem mais nem menos, falecer.
Queria rezar, mas eu sou isto, meu Deus!,
e de minha reza, se reza fosse,
não ouvirias uma só palavra.

Tem pena, uma pena bem doída de mim,
meu Deus, e ouve para sempre esta oração,
e ampara isto que sou eu
na Duração, no Tempo e no Espaço.

Belchior percebia que “ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”

Amar e mudar as coisas me interessa mais | by Outra face da Lua | MediumPaulo Peres
Poemas & Canções

O cantor e compositor cearense Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes (1946-2017), na letra de “Como Os Nossos Pais”, fala da eterna discussão presente na relação entre pais e filhos, ou seja, quando somos jovens sempre achamos que nossos pais estão errados na educação que recebemos, porém quando crescemos e temos filhos geralmente repetimos o mesmo que nossos pais faziam conosco.

“Como Os Nossos Pais” é um hino à juventude que amadurece percebendo que o mundo é uma constante, porque é feito de homens que se acomodam e de outros que lutam por mudanças. A música foi gravada por Belchior no LP Alucinação, em 1976, pela Polygram.

COMO OS NOSSOS PAIS
Belchior

Não quero lhe falar
Meu grande amor
Das coisas que aprendi
Nos discos…

Quero lhe contar
Como eu vivi
E tudo o que
Aconteceu comigo

Viver é melhor que sonhar
E eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa…

Por isso cuidado meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado prá nós
Que somos jovens…

Para abraçar meu irmão
E beijar minha menina
Na rua
É que se fez o meu lábio
O seu braço
E a minha voz…

Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantado
Como uma nova invenção
Vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pr’o sertão
Pois vejo vir vindo no vento
O cheiro da nova estação
E eu sinto tudo
Na ferida viva
Do meu coração…

Já faz tempo
E eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Esta lembrança
É o quadro que dói mais…

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais…

Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
As aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer
Que eu estou por fora
Ou então
Que eu estou enganando…

Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem…

E hoje eu sei
Eu sei!
Que quem me deu a idéia
De uma nova consciência
E juventude
Está em casa
Guardado por Deus
Contando seus metais…

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como os nossos pais…

A questão-chave de Waly Salomão é: sob que máscara retornará o poema?

Tribuna da Internet | Ritmo era o que mais desejava para seu dia-a-dia o  poeta baiano Waly SalomãoPaulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, poeta e compositor baiano Waly Dias Salomão (1943-2003), nos versos de “A Fábrica do Poema”, apresenta um acontecimento dúbio, porque depende do momento em que o poeta criou os versos, que, inclusive, podem ser uma mistura de fantasia com ideologia política.

A FÁBRICA DO POEMA
Waly Salomão

sonho o poema de arquitetura ideal
cuja própria nata de cimento encaixa palavra por
palavra,
tornei-me perito em extrair faíscas das britas
e leite das pedras.
acordo.
e o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
acordo.
o prédio, pedra e cal, esvoaça
como um leve papel solto à mercê do vento
e evola-se, cinza de um corpo esvaído
de qualquer sentido.
acordo,
e o poema-miragem se desfaz
desconstruído como se nunca houvera sido.
acordo!
os olhos chumbados
pelo mingau das almas e os ouvidos moucos,
assim é que saio dos sucessivos sonos:
vão-se os anéis de fumo de ópio
e ficam-se os dedos estarrecidos.

sinédoques, catacreses,
metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
sumidos no sorvedouro.
não deve adiantar grande coisa
permanecer à espreita no topo fantasma
da torre de vigia.
nem a simulação de se afundar no sono.
nem dormir deveras.
pois a questão-chave é:
sob que máscara retornará o recalcado?

(mas eu figuro meu vulto
caminhando até a escrivaninha
e abrindo o caderno de rascunho
onde já se encontra escrito
que a palavra “recalcado” é uma expressão
por demais definida, de sintomatologia cerrada:
assim numa operação de supressão mágica
vou rasurá-la dacqui do poema)

pois a questão-chave é:
sob que máscara retornará?

A desesperada canção de amor ao Brasil, na dor imensa de Vinicius de Moraes  

Vinicius de Moraes restaurado - ISTOÉ Independente

Exilado na Itália, Vinicius sonhava em voltar

Paulo Peres
Poemas & Canções

O diplomata, advogado, jornalista, dramaturgo, compositor e poeta , Vinícius de Moraes (1913-1980), escreveu belíssimos poemas para as mulheres que tanto amou, mas o seu poema de amor mais importante foi “Pátria Minha” dedicado a todos nós, brasileiros. Seus versos transmitem a paixão de quem teve de deixar o país a trabalho e depois pela perseguição política que encerrou sua carreira de diplomata.

PÁTRIA MINHA
Vinícius de Moraes

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos…
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu…

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda…
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta que serás também”
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão…
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
“Pátria minha, saudades de quem te ama…”

Uma canção inesquecível que fez o Brasil ser conhecido e amado no mundo inteiro

Ele Era Assim: Ary Barroso

Ary iniciou a carreira como músico de jazz

Paulo Peres
Poemas & Canções

O radialista, músico e compositor mineiro Ary de Resende Barroso (1903-1964) na letra de “Aquarela do Brasil”, escrita em 1932, exalta a beleza, a grandeza, a miscigenação e seu amor pelo Brasil. Historicamente, “como foi gravada durante o governo Getúlio Vargas, a música sofreu críticas por iniciar o movimento samba-exaltação, que tinha meios ufanistas de enaltecer o potencial brasileiro, suas belezas naturais, riqueza e povo.

Vale ressaltar que, na época, o patriotismo que os brasileiros tinham pelo país não pode ser comparado com o atual. Era um sentimento de amor pelo país, que mesmo não concordando com o governo que detinha poder no Brasil, o compositor consegue esquecer todos os problemas e ainda assim, presta um tributo ao povo e a sua terra. Tornou-se a música mais regravada do país, com 430 versões, empatada com “Carinhoso” (Pixinguinha e Braguina, em 1928), somente superadas recentemente por “Garota de Ipanema” (Tom e Vinicius, em 1962), que já tem 442 gravações.

AQUARELA DO BRASIL
Ary Barroso

Brasil!
Meu Brasil brasileiro
Meu mulato inzoneiro
Vou cantar-te nos meus versos
O Brasil, samba que dá
Bamboleio, que faz gingar
O Brasil, do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil! Prá mim! Pra mim, pra mim
Ah! abre a cortina do passado
Tira a mãe preta do cerrado
Bota o rei congo no congado
Brasil! Prá mim! Pra mim, pra mim!
Deixa cantar de novo o trovador
A merencória luz da lua
Toda canção do meu amor
Quero ver a sá dona caminhando
Pelos salões arrastando
O seu vestido rendado
Brasil! Pra mim, pra mim, Brasil!
Brasil!
Terra boa e gostosa
Da morena sestrosa
De olhar indiferente
O Brasil, samba que dá
bamboleio que faz gingar
O Brasil, do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil!, Pra mim, pra mim, pra mim
O esse coqueiro que dá coco
Onde eu amarro a minha rede
Nas noites claras de luar
Brasil!, Pra mim, pra mim, pra mim.
Ah! e estas fontes murmurantes
Aonde eu mato a minha sede
E onde a lua vem brincar
Ah! esse Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil brasileiro
Terra de samba e pandeiro
Brasil! Pra mim, pra mim! Brasil!
Brasil! Pra mim, Brasil!, Brasil!

Um simples muro caiado, mas que parece ter vida, na visão do poeta 

Um jovem com a cabeça em chamas: Pedro Militão Kilkerry - EVIDENCIE-SE

Kilkerry era um inovador da poesia

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado e poeta baiano Pedro Militão Kilkerry (1885-1917), através do soneto “O Muro”, descreve uma visão da realidade, embora não no sentido visual, mas o que seria invisível aos olhos ou diferentes formas de olhar sobre o mesmo mundo, de forma a mostrar aquilo que não se vê.

O MURO
Pedro Kilkerry

Movendo os pés doirados, lentamente,
Horas brancas lá vão, de amor e rosas
As impalpáveis formas, no ar, cheirosas…
Sombras, sombras que são da alma doente!

E eu, magro, espio… e um muro, magro, em frente
Abrindo à tarde as órbitas musgosas
— Vazias? Menos do que misteriosas —
Pestaneja, estremece… O muro sente!

E que cheiro que sai dos nervos dele,
Embora o caio roído, cor de brasa,
E lhe doa talvez aquela pele!

Mas um prazer ao sofrimento causa…
Pois o ramo em que o vento à dor lhe impele
É onde a volúpia está de uma asa e outra asa…