Eis que temos aqui a “Grande Poesia”, na visão de Rachel de Queiróz

Outra lição que se pode tirar destas... Rachel de Queiroz - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

A romancista, contista, tradutora, jornalista e poeta cearense Rachel de Queiróz (1910-2003), em “Geometria dos Ventos”, mostra a poesia livre, sem limites de idioma, espontânea.

GEOMETRIA DOS VENTOS
Rachel de Queiróz

Eis que temos aqui a Poesia,
a grande Poesia.
Que não oferece signos
nem linguagem específica, não respeita
sequer os limites do idioma. Ela flui, como um rio.
como o sangue nas artérias,
tão espontânea que nem se sabe como foi escrita.
E ao mesmo tempo tão elaborada –
feito uma flor na sua perfeição minuciosa,
um cristal que se arranca da terra
já dentro da geometria impecável
da sua lapidação.
Onde se conta uma história,
onde se vive um delírio; onde a condição humana exacerba,
até à fronteira da loucura,
junto com Vincent e os seus girassóis de fogo,
à sombra de Eva Braun, envolta no mistério ao mesmo tempo
fácil e insolúvel da sua tragédia.
Sim, é o encontro com a Poesia.

No recado aos poetas clássicos, a imensa sabedoria de Patativa do Assoré

Meus versos é como semente Que nasce arriba do chão; Não tenho estudo nem arte, A minha rima faz parte Das obras da criação... Frase de Patativa do Assaré.Paulo Peres
Poemas & Canções

Patativa do Assaré, nome artístico de Antônio Gonçalves da Silva (1909-2002), por ser natural da cidade de Assaré, no Ceará, foi um dos mais importantes representantes da cultura popular nordestina. Com uma linguagem simples, porém poética, destacou-se como compositor, improvisador, cordelista e poeta, conforme se constata no seu recado “Aos Poetas Clássicos”.

AOS POETAS CLÁSSICOS
Patativa do Assaré

Poetas niversitário,
Poetas de Cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia;
Se a gente canta o que pensa,
Eu quero pedir licença,
Pois mesmo sem português
Neste livrinho apresento
O prazê e o sofrimento
De um poeta camponês.

Eu nasci aqui no mato,
Vivi sempre a trabaiá,
Neste meu pobre recato,
Eu não pude estudá
No verdô de minha idade,
Só tive a felicidad
De dá um pequeno insaio
In dois livro do iscritô,
O famoso professô
Filisberto de Carvaio.

No premêro livro havia
Belas figuras na capa,
E no começo se lia:
A pá – O dedo do Papa,
Papa, pia, dedo, dado,
Pua, o pote de melado,
Dá-me o dado, a fera é má
E tantas coisa bonita,
Qui o meu coração parpita
Quando eu pego a rescordá.

Foi os livro de valô
Mais maió que vi no mundo,
Apenas daquele autô
Li o premêro e o segundo;
Mas, porém, esta leitura,
Me tirô da treva escura,
Mostrando o caminho certo,
Bastante me protegeu;
Eu juro que Jesus deu
Sarvação a Filisberto.

Depois que os dois livro eu li,
Fiquei me sintindo bem,
E ôtras coisinha aprendi
Sem tê lição de ninguém.
Na minha pobre linguage,
A minha lira servage
Canto o que minha arma sente
E o meu coração incerra,
As coisa de minha terra
E a vida de minha gente.

Poeta niversitaro,
Poeta de cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia,
Tarvez este meu livrinho
Não vá recebê carinho,
Nem lugio e nem istima,
Mas garanto sê fié
E não istruí papé
Com poesia sem rima.

Cheio de rima e sintindo
Quero iscrevê meu volume,
Pra não ficá parecido
Com a fulô sem perfume;
A poesia sem rima,
Bastante me disanima
E alegria não me dá;
Não tem sabô a leitura,
Parece uma noite iscura
Sem istrela e sem luá.

Se um dotô me perguntá
Se o verso sem rima presta,
Calado eu não vou ficá,
A minha resposta é esta:
– Sem a rima, a poesia
Perde arguma simpatia
E uma parte do primô;
Não merece munta parma,
É como o corpo sem arma
E o coração sem amô.

Meu caro amigo poeta,
Qui faz poesia branca,
Não me chame de pateta
Por esta opinião franca.
Nasci entre a natureza,
Sempre adorando as beleza
Das obra do Criadô,
Uvindo o vento na serva
E vendo no campo a reva
Pintadinha de fulô.

Sou um caboco rocêro,
Sem letra e sem istrução;
O meu verso tem o chêro
Da poêra do sertão;
Vivo nesta solidade
Bem destante da cidade
Onde a ciença guverna.
Tudo meu é naturá,
Não sou capaz de gostá
Da poesia moderna.

Deste jeito Deus me quis
E assim eu me sinto bem;
Me considero feliz
Sem nunca invejá quem tem
Profundo conhecimento.
Ou ligêro como o vento
Ou divagá como a lesma,
Tudo sofre a mesma prova,
Vai batê na fria cova;
Esta vida é sempre a mesma.

Na calma noite mineira, Pedro Nava lembra os olhos de seu grande amor

Pedro Nava e a tragédia do relógio da Glória - Textos de Thereza Pires

Pedro Nava, um fantástico memorialista

Paulo Peres
Poemas & Canções

O médico, escritor e poeta mineiro Pedro da Silva Nava (1903-1984), no poema “Noturno de Chopin”, esconde o seu grande amor.

NOTURNO DE CHOPIN
Pedro Nava

Eu fico todo bestificado olhando a lua
enquanto as mãos brasileiras de você
fazem fandango no Chopin

Tem uma voz gritando lá na rua:
Amendoim torrado
tá cabano tá no fim…
Coitado do Chopin! Tá acabando tá no fim…

Amor: a lua tá doce lá fora
o vento tá doce bulindo nas bananeiras
tá doce esse aroma das noites mineiras:
cheiro de gigilim manga-rosa jasmim.

Os olhos de você, amor…
O Chopin derretido tá maxixe
meloso
gostoso
(os olhos de você, amor…)
correndo que nem caldo
na calma da noite belo horizonte.

Para Leminski, arranjar um objeto e um sujeito pode dar um pretérito perfeito

Nesta vida, pode-se aprender três... Paulo Leminski - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções
 

O crítico literário, tradutor, professor, escritor e poeta paranaense Paulo Leminski Filho (1944-1989) expressa no poema “Objeto Sujeito” tudo quanto nunca saberemos.

OBJETO SUJEITO
Paulo Leminski

Você nunca vai saber
quanto custa uma saudade
o peso agudo no peito
de carregar uma cidade
pelo lado de dentro
como fazer de um verso
um objeto sujeito
como passar do presente
para o pretérito perfeito
nunca saber direito

Você nunca vai saber
o que vem depois de sábado
quem sabe um século
muito mais lindo e mais sábio
quem sabe apenas
mais um domingo

Você nunca vai saber
e isso é sabedoria
nada que valha a pena
a passagem pra Pasárgada
Xanadu ou Shangrilá
quem sabe a chave
de um poema
e olhe lá

“Pede a banda pra tocar um dobrado, olha nós outra vez no picadeiro…”

Ivan Lins e Vitor Martins são os Donos da Música - Rede E

Ivan e Vitor, parceiros sensacionais

Paulo Peres
Site Poemas & Canções

Na letra de “Somos todos iguais nesta noite”, em parceria com Ivan Lins, o compositor (letrista) paulista Vitor Martins compara o mundo a um circo, onde seguimos o ritmo da banda de fanfarra, em alusão à ditadura militar vigente no país de 1964 a 1985. A música intitula o LP Somos todos iguais nesta noite, lançado por Ivan Lins, em 1977, pela EMI-Odeon.

SOMOS TODOS IGUAIS NESTA NOITE
Ivan Lns e Vitor Martins

Somos todos iguais nesta noite
Na frieza de um riso pintado
Na certeza de um sonho acabado
É o circo de novo

Nós vivemos debaixo do pano
Entre espadas e rodas de fogo
Entre luzes e a dança das cores
Onde estão os atores

Pede a banda
Pra tocar um dobrado
Olha nós outra vez no picadeiro
Pede a banda
Prá tocar um dobrado
Vamos dançar mais uma vez

Somos todos iguais nesta noite
Pelo ensaio diário de um drama
Pelo medo da chuva e da lama
É o circo de novo

Nós vivemos debaixo do pano
Pelo truque malfeito dos magos
Pelo chicote dos domadores
E o rufar dos tambores

Em versos, Tobias Barreto demonstrou liricamente a definição do que seja amar

SILVEIRA EMPORIUM JURÍDICO-SEJ on Instagram: “Uma importante reflexão.  #examedeordem #oabxxxi #advogado #direito #tardebo… | Filosofos, Frases,  Frases inspiradorasPaulo Peres
Poemas & Canções

O jurista, filósofo, crítico e poeta sergipano Tobias Barreto de Meneses (1839-1889) Tobias Barreto de Menezes foi um fervoroso integrante da Escola do Recife, um movimento filosófico de grande força, calcado no monismo e no evolucionismo europeu. Foi o fundador do condoreirismo brasileiro. Nesse criativo poema, Tobias Barreto assim demonstrou liricamente sua definição do que seja amar.

AMAR
Tobias Barreto

Amar é fazer o ninho,
Que duas almas contém,
Ter medo de estar sozinho,
Dizer com lágrimas: vem,
Flor, querida, noiva, esposa…
Cabemos na mesma lousa…
Julieta, eu seu Romeu:
Correr, gritar: onde vamos?
Que luz! que cheiro! onde estamos?
E ouvir uma voz: no céu!

Vagar em campos floridos
Que a terra mesma não tem;
Chegamos loucos, perdidos
Onde não chega ninguém…
E, ao pé de correntes calmas,
Que espelham virentes palmas,
Dizer-te: senta-te aqui;
E além, na margem sombria,
Ver uma corça bravia,
Pasmada olhando pra ti!

No dia de São Jorge, a homenagem de seu fiel seguidor Jorge Benjor

No dia do Santo Guerreiro, Jorge Ben Jor canta em alvorada. Veja o vídeo | VEJA RIO

Jorge Benjor já cantou na igreja de seu protetor

Paulo Peres
Poemas & Canções

Jorge Duílio Lima Meneses, conhecido como Jorge Ben ou Jorge BenJor, é um violonista, pandeirista, guitarrista, percussionista, cantor e compositor brasileiro. Desde criança, é seguidor de São Jorge, costuma frequentar a Igreja no Rio de Janeiro, e uma vez abriu uma missa cantando Jorge de Capadócia. E já fez outras músicas sobre o Santo Guerreiro, inclusive “Ogum”, em parceria com Zeca Pagodinho.

JORGE DA CAPADÓCIA
Jorge Benjor

Jorge sentou praça na cavalaria
Eu estou feliz porque eu também sou da sua companhia
Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge
Para que meus inimigos tenham pés, não me alcancem
Para que meus inimigos tenham mãos, não me peguem, não me toquem
Para que meus inimigos tenham olhos e não me vejam
E nem mesmo um pensamento eles possam ter para me fazerem mal

Armas de fogo, meu corpo não alcançará
Facas, lanças se quebrem, sem o meu corpo tocar
Cordas, correntes se arrebentem, sem o meu corpo amarrar
Pois eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge

Jorge é de Capadócia, viva Jorge!
Jorge é de Capadócia, salve Jorge!

Perseverança, ganhou do sórdido fingimento
E disso tudo nasceu o amor
Perseverança, ganhou do sórdido fingimento
E disso tudo nasceu o amor
Ogan toca pra Ogum
Ogan toca pra Ogum
Ogan, Ogan, toca pra Ogum

Jorge é da Capadócia
Jorge é da Capadócia

Antônio Maria, com saudades do Recife, andava em busca do tempo perdido  

Carmem Miranda com o cronista de Copacabana, Antonio Maria. | Carmen  miranda, Portrait, Duran

Carmem Miranda era amga de Maria

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, radialista e compositor pernambucano Antônio Maria Araújo de Morais (1921-1964), na letra de “Portão Antigo”, mostra a saudade de voltar ao lugar onde viveu. Este samba-canção foi gravado por Leny Eversong, em 1955, pela Copacabana.

PORTÃO ANTIGO
Antônio Maria

Quero voltar
Àquele portão antigo
Para buscar
Minha saudade,
Quero chegar de repente
Abraçar minha gente
Chorar de alegria
Depois entregar o cansaço
À rede macia do terraço.

Quando eu chegar
Na hora mais sossegada
Põe mais um prato na mesa,
Estou aqui
Hei de encontrar em seu olhar
A vida que perdi
Quero voltar para ficar,
Mais nada.

Thiago de Mello, um poeta à procura das cores certas para trabalhar a primavera

Portal de Notícias do Jornal do PovoPaulo Peres
Poemas & Canções

O poeta amazonense Amadeu Thiago de Mello, no poema “Mormaço de Primavera”, chama atenção para os valores simples da natureza humana, principalmente, a esperança, porque, apesar dos pesares, devemos sempre continuar, mesmo que ainda seja difícil distinguir “o sujo do encardido,/ o fugaz, do provisório”, temos que avançar, temos que lutar, tendo em vista “que é preciso encontrar as cores certas/ para poder trabalhar a primavera”.

MORMAÇO DE PRIMAVERA
Thiago de Mello

Entre chuva e chuva, o mormaço.
A luz que nos entrega o dia
não dá ainda para distinguir
o sujo do encardido,
o fugaz, do provisório.
A própria luz é molhada.
De tão baça, não me deixa sequer enxergar o fundo
dos olhos claros da mulher amada.

Mas é com esta luz mesmo,
difusa e dolorida,
que é preciso encontrar as cores certas
para poder trabalhar a Primavera.

No clássico de Lupicínio, a cadeira está vazia e já não existe mais amor

Cadeira Vazia (LUPICÍNIO RODRIGUES e ALCIDES GONÇALVES) - YouTube

Lupicinio e Gonçalves, os compositores

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor e compositor gaúcho Alcides Gonçalves (1908-1987), na letra de “Cadeira Vazia”, em parceria com Lupicínio Rodrigues, conta a estória da vítima da mulher traidora, volúvel, sempre disposta à traição que, ao voltar arrependida, encontra, senão amor, pelo menos compaixão, uma vez que perdoá-la é impossível. Este samba-canção foi gravado por Francisco Alves, em 1950, pela Odeon.

CADEIRA VAZIA
Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves

Entra meu amor fique a vontade
E diz com sinceridade o que desejas de mim
Entra podes entrar a casa é tua
Já que cansaste de viver na rua
E os teus sonhos chegaram ao fim

Eu sofri demais quando partiste
Passei tantas horas tristes
Que não gosto de lembrar esse dia
Mas de uma coisa pode ter certeza
Teu lugar aqui na minha mesa
Tua cadeira ainda está vazia

Tu es a filha pródiga que volta
Procurando em minha porta
O que o mundo não te deu
E faz de conta que eu sou o teu paizinho
Que há tanto tempo aqui ficou sozinho
A esperar por um carinho teu

Voltaste estás bem, estou contente
Só me encontraste um pouco diferente

Vou te falar de todo coração
Não te darei carinho nem afeto
Mas pra te abrigar podes ocupar meu teto
Pra te alimentar podes comer meu pão

Aos olhos do poeta, surge a certeza de que a natureza agora é morta…

Almir Zarfeg dedica resenha à nova obra poética de Jorge Ventura: “Outras  Urbanas” - Jornal Alerta

O poeta Jorge Ventura, em noite de autógrafos

Paulo Peres
Poemas & Canções

O publicitário, ator, jornalista e poeta carioca Jorge Ventura, no poema “Emoldurados”, inspirou-se em telas da natureza morta.

EMOLDURADOS
Jorge Ventura

a laranja cortada à faca
sobre a mesa (gomos e gumes)
não exala mais o cheiro das manhãs

móveis da sala cozinha e quarto
abrigam tardes e noites imóveis
como cestas de nozes e avelãs

restam flores palavras secas
migalhas rostos tristes
expectativas inanimadas

afora o sol pela porta pintada a óleo
o silêncio dos olhos e a certeza
de que a natureza agora é morta

O trabalho do acendedor de lampiões iluminava também a desigualdade social

A POESIA DO BRASIL: JORGE DE LIMA (1893-1953)... E OS 100 ANOS DO LIVRO "XVI ALEXANDRINOS"...

Jorge de Lima, retratado por Portinari

Paulo Peres
Poemas & Canções

O alagoano Jorge Mateus de Lima (1893-1953) foi político, médico, poeta, romancista, biógrafo, ensaísta, tradutor e pintor. Neste soneto, ele usa a figura do acendedor de lampião para marcar a desigualdade social.

O ACENDEDOR DE LAMPIÕES
Jorge de Lima

Lá vem o acendedor de lampiões de rua!
Este mesmo que vem, infatigavelmente,
Parodiar o Sol e associar-se à Lua
Quando a sobra da noite enegrece o poente.

Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite, aos poucos, se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita:
Ele, que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade
Como este acendedor de lampiões de rua!

Na poesia de João Cabral, o primeiro galo canta e os outros logo tecem a amanhã

Nenhuma descrição de foto disponível.Paulo Peres
Poemas & Canções

O diplomata e poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999) utilizou em sua obra poética desde a tendência surrealista até a poesia popular, porém caracterizada pelo rigor estético, com poemas avessos a confessionalismos e marcados pelo uso de rimas toantes, inaugurando, assim, uma nova forma de fazer poesia no Brasil. O poema “Tecendo a Manhã” significa o sonho do poeta com um futuro construído por todos, livremente, para todos, isento de “armações”, maracutaias e intrigas. Um mundo verdadeiramente socialista?


TECENDO A MANHÃ

João Cabral de Melo Neto

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro: de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma tela tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balã

Um desesperada canção de amor, na poesia de J.G. de Araújo Jorge

Poesias de JG de Araújo Jorge, página 7. Coletânea.

Araújo Jorge, um poeta romântico

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, político e poeta acreano José Guilherme de Araujo Jorge (1914-1987) ou, simplesmente, J. G. de Araújo Jorge, foi conhecido como o Poeta do Povo e da Mocidade, pela sua mensagem social e política e por sua obra romântica mas, às vezes, dramática, como no poema “Canção do meu abandono”.

CANÇÃO DO MEU ABANDONO
J. G. de Araújo Jorge

Não, depois de te amar não posso amar ninguém!
Que importa se as ruas estão cheias de mulheres
esbanjando beleza e promessa
ao alcance da mão?
Se tu já não me queres
é funda e sem remédio a minha solidão.

Era tão fácil ser feliz quando tu estavas comigo!
Quantas vezes, sem motivo nenhum, ouvi o teu sorriso
rindo feliz, como um guiso
em tua boca?

E todo momento
mesmo sem te beijar eu estava te beijando:
com as mãos, com os olhos, com os pensamentos,
numa ansiedade louca!

Nossos olhos, meu Deus! nossos olhos, os meus
nos teus,
os teus
nos meus,
se misturavam confundindo as cores
ansiosos como olhos
que se diziam adeus…

Não era adeus, no entanto, o que estava em teus olhos
e nos meus,
era êxtase, ventura, infinito langor,
era uma estranha, uma esquisita, uma ansiosa mistura
de ternura com ternura
no mesmo olhar de amor!

Ainda ontem, cada instante era uma nova espera…
Deslumbramento, alegria exuberante
e sem limite…

E de repente,
de repente eu me sinto triste como um velho muro
cheio de hera
embora a luz do sol num delírio palpite!

Não, depois de te amar não posso amar ninguém!

Podia até morrer, se já não há belezas ignoradas
quando inteira te despi,
nem de alegrias incalculadas
depois que te senti…

Depois de te amar assim, como um deus, como um louco,
nada me bastará, e se tudo é tão pouco…
… eu devia morrer…

Louvando o que bem merece, você pode deixar o que é ruim de lado…

Tribuna da Internet | Gil e Torquato envolvidos na geleia geral, cujo nome  passaria a ser Tropicália…Paulo Peres
Poemas & Canções

O cineasta, ator, jornalista, poeta e compositor piauiense Torquato Pereira de Araújo Neto (1944-1972) é considerado um dos principais letristas do movimento Tropicalista, embora a letra de “Louvação” seja pré-tropicalista e tenha um tratamento épico/romântico e, principalmente, ideológico face à ditadura militar instaurada no país em 1964. A música foi gravada por seu parceiro Gilberto Gil no LP Louvação, 1967, pela Philips Records.

LOUVAÇÃO
Gilberto Gil e Torquato Neto

Vou fazer a louvação
Louvação, louvação
Do que deve ser louvado
Ser louvado, ser louvado
Meu povo, preste atenção
Atenção, atenção
Repare se estou errado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
E louvo, pra começar
Da vida o que é bem maior
Louvo a esperança da gente
Na vida, pra ser melhor
Quem espera sempre alcança
Três vezes salve a esperança!
Louvo quem espera sabendo
Que pra melhor esperar
Procede bem quem não pára
De sempre mais trabalhar
Que só espera sentado
Quem se acha conformado

Vou fazendo a louvação
Louvação, louvação
Do que deve ser louvado
Ser louvado, ser louvado
Quem ‘tiver me escutando
Atenção, atenção
Que me escute com cuidado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
Louvo agora e louvo sempre
O que grande sempre é
Louvo a força do homem
E a beleza da mulher
Louvo a paz pra haver na terra
Louvo o amor que espanta a guerra
Louvo a amizade do amigo
Que comigo há de morrer
Louvo a vida merecida
De quem morre pra viver
Louvo a luta repetida
A vida pra não morrer

Vou fazendo a louvação
Louvação, louvação
Do que deve ser louvado
Ser louvado, ser louvado
De todos peço atenção
Atenção, atenção
Falo de peito lavado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
Louvo a casa onde se mora
De junto da companheira
Louvo o jardim que se planta
Pra ver crescer a roseira
Louvo a canção que se canta
Pra chamar a primavera
Louvo quem canta e não canta
Porque não sabe cantar
Mas que cantará na certa
Quando enfim se apresentar
O dia certo e preciso
De toda a gente cantar

E assim fiz a louvação
Louvação, louvação
Do que vi pra ser louvado
Ser louvado, ser louvado
Se me ouviram com atenção
Atenção, atenção
Saberão se estive errado
Louvando o que bem merece
Deixando o ruim de lado

Ninguém exaltou tanto a Lua como o seresteiro Cândido das Neves

CANDIDO DAS NEVES – Brasil – Poesia dos Brasis – RIO DE JANEIRO - www.antoniomiranda.com.br

Cândido das Neves, o compositor

Paulo Peres
Poemas e Canções 

O instrumentista, cantor e compositor carioca Cândido das Neves (1899-1934), apelidado de Índio, descobre na “Última Estrofe” que a melancolia dos versos do trovador era semelhante à sua, porque ambas tinham como causa o término de um amor e, consequentemente, a saudade que isto acarretou. A música foi gravada por Orlando Silva, em 1935, pela RCA Victor.

ÚLTIMA ESTROFE
Cândido das Neves

A noite estava assim enluarada
Quando a voz já bem cansada
Eu ouvi de um trovador
Nos versos que vibravam de harmonia
Ele em lágrimas dizia
Da saudade de um amor
Falava de um beijo apaixonado
De um amor desesperado
Que tão cedo teve fim
E desses gritos de tormento
Eu guardei no pensamento
Uma estrofe que era assim:

Lua…
Vinha perto a madrugada
Quando em ânsias minha amada
Nos meus braços desmaiou
E o beijo do pecado
O teu véu estrelejado
A luzir glorificou

Lua…
Hoje eu vivo sem carinho
Ao relento, tão sozinho
Na esperança mais atroz
De que cantando em noite linda
Essa ingrata volte ainda
Escutando a minha voz

A estrofe derradeira, merencória
Revelava toda a história
De um amor que se perdeu
E a lua que rondava a natureza
Solidária com a tristeza
Entre as nuvens se escondeu
Cantor, que assim falas à lua
Minha história é igual à tua
Meu amor também fugiu
Disse eu em ais convulsos
E ele então, entre soluços
Toda a estrofe repetiu

Em matéria de desejo, a poesia de Álvares de Azevedo não cabia em si

Meu pobre coração que estremecia,... Álvares de Azevedo - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O dramaturgo, ensaísta, contista e poeta paulista Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831-1850), no poema “Meu Desejo”, revela todo o ardor de uma paixão incontida. Ele viveu por apenas 20 anos, mas deixou uma importante obra. 

MEU DESEJO
Álvares de Azevedo

Meu desejo? era ser a luva branca
Que essa tua gentil mãozinha aperta:
A camélia que murcha no teu seio,
O anjo que por te ver do céu deserta….

Meu desejo? era ser o sapatinho
Que teu mimoso pé no baile encerra….
A esperança que sonhas no futuro,
As saudades que tens aqui na terra….

Meu desejo? era ser o cortinado
Que não conta os mistérios do teu leito;
Era de teu colar de negra seda
Ser a cruz com que dormes sobre o peito.

Meu desejo? era ser o teu espelho
Que mais bela te vê quando deslaças
Do baile as roupas de escomilha e flores
E mira-te amoroso as nuas graças!

Meu desejo? era ser desse teu leito
De cambraia o lençol, o travesseiro
Com que velas o seio, onde repousas,
Solto o cabelo, o rosto feiticeiro….

Meu desejo? era ser a voz da terra
Que da estrela do céu ouvisse amor!
Ser o amante que sonhas, que desejas
Nas cismas encantadas de langor!

E o poeta sonhou que era moço e tinha conquistado um novo amor…

Poema "É necessário amar" de Alphonsus de Guimaraens #alphonsusdeguimaraens  #poesiadeclamadaPaulo Peres
Poemas & Canções

 O juiz e poeta mineiro Afonso Henriques da Costa Guimaraens (1870-1921), que adotou o nome de Alphonsus de Guimaraens, no soneto “Como se moço e não bem velho eu fosse”, sente sua vida se modificar para melhor através de um sonho mas, infelizmente, o poeta acorda para a realidade.

COMO SE MOÇO E NÃO BEM VELHO EU FOSSE
Alphonsus Guimaraens

Como se moço e não bem velho eu fosse,
Uma nova ilusão veio animar-me,
Na minh’alma floriu um novo carme,
O meu ser para o céu alcandorou-se.

Ouvi gritos em mim como um alarme.
E o meu olhar, outrora suave e doce,
Nas ânsias de escalar o azul, tornou-se
Todo em raios, que vinham desolar-me.

Vi-me no cimo eterno da montanha
Tentando unir ao peito a luz dos círios
Que brilhavam na paz da noite estranha.

Acordei do áureo sonho em sobressalto;
Do céu tombei ao caos dos meus martírios,
Sem saber para que subi tão alto…

“Quem dera fosse meu o poema de amor definitivo”, ansiava Alice Ruiz

Essas mulheres: Alice Ruiz, poeta agitada e engajada

Alice Ruiz, inspiradíssima e inspiradora

Paulo Peres
Poemas & Canções

A publicitária, tradutora, compositora e poeta curitibana Alice Ruiz Scherone queria que fosse seu um sonho poético, mas acaba levado pelo vento num amor que não se mostra possível. Esse poema foi musicado e gravado por Waltel Branco.

SONHO DO POETA
Alice Ruiz

Quem dera fosse meu
o poema de amor definitivo
Se amar fosse o bastante,
poder eu poderia,
pudera, às vezes,
parece ser esse
meu único destino
Mas vem o vento e leva
as palavras que digo
minha canção de amigo.
Um sonho de poeta
não vale o instante vivo.
Pode que muita gente
veja no que escrevo
tudo que sente
e vibre, e chore e ria como eu,
antigamente, quando não sabia
que não há um verso, amor,
que te contente.  

Um vaso chinês tão belo e delicado que inspirou o poeta Alberto de Oliveira

Veredas da Língua: Alberto de Oliveira - PoemasPaulo Peres
Poemas & Canções

O farmacêutico, professor e poeta Antonio Mariano Alberto de Oliveira (1857-1937), nascido em Saquarema (RJ), mostra neste soneto a magia e a atração de um vaso chinês… que ele captou  com sua visão de poeta. O desenho do vaso transmite seu amor através dos ramos vermelhos, como sangra seu coração apaixonado.

Não podemos esquecer de que se trata de um soneto parnasiano, cuja principal característica é a falta de temas ou ausência de comprometimento social. Os parnasianos acreditavam que a arte não deveria ter compromissos, o único e verdadeiro compromisso é artístico, daí ser chamado arte pela arte. Essa característica é tão extrema que os poemas desse período tratam de assuntos considerados irrelevantes. Como a descrição de um vaso, um muro ou qualquer outro objeto.

VASO CHINÊS
Alberto de Oliveira

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?… de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.

Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.