Angela Pinho
Folha
A homologação da delação do tenente-coronel Mauro Cid eleva a pressão institucional sobre o Ministério Público e gera o receio de que possa ter um efeito cascata sobre outras investigações criminais no país. O auxiliar de ordens de Jair Bolsonaro (PL) fechou com a Polícia Federal uma colaboração homologada no sábado (9) pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), sob críticas do procurador-geral da República, Augusto Aras.
Em rede social, Aras escreveu que o Ministério Público Federal não concorda com acordos de colaboração firmados pela PF, como foi o caso do celebrado pelo militar.
PALOCCI E CABRAL – Ele lembrou que, por causa do mesmo motivo, a instituição adotou esse mesmo entendimento para as delações do ex-ministro Antonio Palocci e do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral.
Aras afirmou ainda que o subprocurador-geral da República que se manifestou na delação de Cid apenas postulou “que se cumpra a lei”.
A decisão de Moraes foi proferida no âmbito do inquérito das milícias digitais, que é a principal apuração no STF contra o ex-chefe do Executivo e mira, entre outros pontos, os ataques às instituições, a tentativa de golpe e o caso das joias. Ele tramita em sigilo.
CRIAR PRECEDENTE – A decisão que homologou a delação pode criar um precedente visto com ineditismo por alguns especialistas. Isso porque os outros dois casos em que o plenário do STF decidiu sobre a celebração de acordos de delação premiada pela Polícia Federal tratavam de circunstâncias ao que tudo indica serem diferentes.
Em 2018, o tribunal julgou ação movida pela PGR que pedia a declaração de inconstitucionalidade de dispositivos da lei que trata das delações, sancionada em 2013.
Na ocasião, o tribunal rejeitou o pedido e entendeu, por 10 a 1, que delegados de polícia podem sim firmar acordos de colaboração durante o inquérito policial. Apenas o ministro Edson Fachin foi voto vencido (Luiz Fux e Rosa Weber disseram que a PF podia, desde que o Ministério Público concordasse).
CASO SÉRGIO CABRAL – Em 2021, o tema voltou à pauta com o caso de Cabral. Na ocasião, 7 dos 11 ministros votaram para revogar a homologação da colaboração dele com a PF, dando razão à Procuradoria-Geral, que apontou ausência de aval do Ministério Público.
O entendimento predominante na ocasião, reafirmado por Moraes, foi que a decisão valia para aquele caso concreto, por peculiaridades do acordo com Cabral.
Entre os alvos das críticas à época, estava uma cláusula do acordo em que a PF deu ao ex-governador 120 dias para apresentar fatos novos e provas após a homologação do pacto pela Justiça.
DISCREPÂNCIA IMPORTANTE – Há, no entanto, mais uma discrepância importante entre a decisão de 2018 e a de 2021, aponta artigo publicado neste ano em revista acadêmica por Luísa Walter da Rosa, advogada e mestre em direito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná).
Em 2018, aponta ela, só dois ministros apontaram a necessidade de concordância do Ministério Público com o acordo firmado pela PF. Já em 2021, no caso de Cabral, sete votaram nesse sentido, ainda que parte deles entendesse que tal necessidade só valia para o caso concreto do ex-governador.
A delação é um meio de obtenção de prova, que não pode, isoladamente, fundamentar sentenças sem que outras informações corroborem as afirmações feitas. Os relatos devem ser investigados, assim como os materiais apresentados em acordo.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – É uma discussão estéril. O Ministério Público não pode estar acima do magistrado ou do Tribunal. Ou seja, não pode aprovar ou vetar delação premiada. Sua competência vai até a entrega de seu parecer, que pode ser recusado pela autoridade judicante. Após a sentença ou acórdão, o MP pode apresentar então recurso à instância superior. Por isso a discussão é estéril. (C.N.)