Um papo de dois amigos, que marcou a era dos festivais de músicas na TV

Aldir Blanc morre em decorrência de COVID-19 no Rio | CNN Brasil

Aldir Blanc, um grande letrista carioca

Paulo Peres
Poemas & Canções

O psiquiatra, escritor e compositor carioca Aldir Blanc Mendes  (1946-2020) notabilizou-se como letrista de muitos sucessos, entre eles o samba “Amigo é prá essas coisas”, em parceria com Silvio da Silva Júnior, em que a letra expõe uma conversa entre dois amigos, da forma mais coloquial possível, uma inovação para a época.

Além disso, amor e amizade dialogam entre si, enquanto o primeiro geralmente fala de desilusão, o segundo celebra o companheirismo.

O samba “Amigo é pra essas coisas” foi classificado em segundo lugar, no III Festival Universitário de Música Popular Brasileira, em 1970, interpretado pelo grupo MPB-4 que, no mesmo ano, o gravaria no seu LP Deixa Estar, pela Elenco/Philips.

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AMIGO É PRA ESSAS COISAS
Silvio da Silva Júnior e Aldir Blanc

– Salve!
– Como é que vai?
– Amigo, há quanto tempo!
– Um ano ou mais…
– Posso sentar um pouco?
– Faça o favor
– A vida é um dilema
– Nem sempre vale a pena…
– Pô…
– O que é que há?
– Rosa acabou comigo
– Meu Deus, por quê?
– Nem Deus sabe o motivo
– Deus é bom
– Mas não foi bom pra mim
– Todo amor um dia chega ao fim
– Triste
– É sempre assim
– Eu desejava um trago
– Garçom, mais dois
– Não sei quando eu lhe pago
– Se vê depois
– Estou desempregado
– Você está mais velho
– É
– Vida ruim
– Você está bem disposto
– Também sofri
– Mas não se vê no rosto
– Pode ser…
– Você foi mais feliz
– Dei mais sorte com a Beatriz
– Pois é
– Pra frente é que se anda
– Você se lembra dela?
– Não
– Lhe apresentei
– Minha memória é fogo!
– E o l´argent?
– Defendo algum no jogo
– E amanhã?
– Que bom se eu morresse!
– Prá quê, rapaz?
– Talvez Rosa sofresse
– Vá atrás!
– Na morte a gente esquece
– Mas no amor a gente fica em paz
– Adeus
– Toma mais um
– Já amolei bastante
– De jeito algum!
– Muito obrigado, amigo
– Não tem de quê
– Por você ter me ouvido
– Amigo é prá essas coisas
– Tá…
– Tome um cabral
– Sua amizade basta
– Pode faltar
– O apreço não tem preço, eu vivo ao Deus dará

Para Adélio Prado, poeticamente o sexo é uma das maravilhas da criação

frases-de-adelia-prado-1024x738 - Flávio ChavesPaulo Peres
Poemas & Canções

A professora, escritora e poeta mineira Adélia Luzia Prado de Freitas, no poema “Entrevista”, aborda temas ligados ao sexo e à religiosidade.

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ENTREVISTA
Adélia Prado

Um homem do mundo me perguntou:
o que você pensa do sexo?
Um das maravilhas da criação, eu respondi.
Ele ficou atrapalhado, porque confunde as coisas
e esperava que eu dissesse maldição,
só porque antes lhe confiara:
o destino do homem é a santidade.
A mulher que me perguntara cheia de ódio:
você raspa lá? Perguntou sorrindo,
achando que assim melhor me assassinava.
Magníficos são o cálice e a vara que ele contém,
peludo ou não.
Santo, santo, santo é o amor de Deus,
não porque uso luva ou navalha.
Que pode contra ele o excremento?
Mesmo a rosa, que pode a seu favor?
“Se cobre a multidão dos pecados e é benigno,
como a morte duro, como o inferno tenaz”,
descansa em teu amor, que bem estás.

Essa coisa louca e bela chamada “amor”, na poesia de Tanussi Cardoso

III Ode ao Poeta homenageia Carmen Moreno e Tanussi Cardoso » Recanto do Poeta

Tanussi Cardoso, grande poeta carioca

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, jornalista, crítico literário, contista, letrista e poeta carioca Tanussi Cardoso expõe a sua visão sobre o amor no poema “Cilada”.

Aparentemente trágico, o poema exibe um humor latente e a ironia final fulmina toda a esperança de que um dia saibamos o que é essa coisa louca e bela chamada “amor”, segundo Tanussi Cardoso.

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CILADA
Tanussi Cardoso

O amor não é a lua
iluminando o arco-íris
nem a estrela-guia
mirando o oceano

O amor não é o vinho
embebedando lençóis
nem o beijo louco
na boca úmida do dia

O amor não é a angústia
de se encontrar o sorriso
nem o vermelho
do coração dos pombos

O amor não é a vitória
dos navios e dos barcos
nem a paz cavalgando
cavalos alados

O amor é, sobretudo,
a faca no laço do laçador
O amor é, exatamente,
o tiro no peito do matador

A importância de preservar a lembrança do romance, na visão de J. G. de Araújo Jorge

Veredas da Língua: J.G. DE ARAÚJO JORGE - POEMASPaulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, político e poeta acreano José Guilherme de Araujo Jorge (1914-1987) ou, simplesmente, J. G. de Araújo Jorge, foi conhecido como o Poeta do Povo e da Mocidade, pela sua mensagem social e política e por sua obra romântica como no poema “Romance” que trata do mais velho e o mais belo dos temas, renovado sempre na poesia e no sonho de um poeta, segundo o próprio J.G. de Araújo Jorge, em seu livro “No Mundo da Poesia”.

ROMANCE
J.G. de Araújo Jorge

“Venha me ver sem falta… Estou velhinha.
Iremos recordas nosso passado;
a sua mão quero apertar na minha
quero sonhar ternuras ao seu lado…”

Respondi, pressuroso, numa linha:
“? Perdoe-me não ir… ando ocupado.
Ameia-a tanto quanto foi mocinha
e de tal modo também fui amado.

Passou a mocidade num relance…
Hoje estou velho, velha está… Suponho
que perdeu da beleza os vivos traços.

Não quero ver morrer nosso romance…
– Prefiro tê-la, jovem no meu sonho,
do que, velha, apertá-la, nos meus braços!

Amanheceu, e Renato Teixeira pegou a viola, botou na sacola e foi viajar……

Programa 70+: Renato Teixeira - Maio/2024 - ESGOTADO | Club Athletico  Paulistano

Renato Teixeira, grande cantador

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor e compositor paulista Renato Teixeira de Oliveira, um dos mais destacados cantores da música regionalista, na letra de “Amanheceu Peguei a Viola” explica a associação entre o instrumento e a liberdade que caracteriza a vida dos cantadores, sempre viajando, sem nada que os prenda.

A música “Amanheceu, Peguei a Viola” faz parte do Álbum Ao Vivo no Rio – 30 Anos de Romaria, gravado pela Sony BMG, em 1998.

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AMANHECEU, PEGUEI A VIOLA
Renato Teixeira

Amanheceu, peguei a viola
Botei na sacola e fui viajar

Sou cantador e tudo nesse mundo
Vale prá que eu cante e possa praticar
A minha arte sapateia as cordas
E esse povo gosta de me ouvir cantar
Amanheceu…

Ao meio-dia eu tava em Mato Grosso
Do Sul ou do norte não sei explicar
Só sei dizer que foi de tardezinha
Eu já tava cantando em Belém do Pará
Amanheceu…

Em Porto Alegre um tal de coronel
Pediu que eu musicasse uns versos que ele fez
Para uma china, que pela poesia,
Nem lá em Pequim se vê tanta altivez
Amanheceu…

Parei em Minas prá trocar as cordas
E segui direto para o Ceará
E no caminho fui pensando é linda
Essa grande aventura de poder cantar
Amanheceu…

Chegou a noite e pegou cantando
Num bailão lá no norte do Paraná
Daí pra frente ninguém mais se espanta
E o resto da noitada eu não posso contar

Anoiteceu e eu voltei prá casa
Que o dia foi longo e o sol quer descansar
Amanheceu…

Da janela do apartamento de Tom, podia se ver o Corcovado e sonhar…

A Felicidade - Tom Jobim e Vinícius de Moraes | Letra e Musica

Tom com Vinicius, seu maior parceiro

Paulo Peres
Poemas & Canções

Antonio Carlos Jobim expressa na letra de “Corcovado”, título de uma de suas mais famosas canções, um retrato do Rio de Janeiro visto da janela onde morava Tom, em Ipanema, na Rua Nascimento Silva, 107, de onde se podia avistar o Corcovado e se podia sonhar em encontrar um grande amor e, consequentemente, fazê-lo conhecer o que é a felicidade, depois de sonhos, tristezas e descrenças deste mundo.

A música “Corcovado”, estilo bossa-nova, foi gravada por Nara Leão, em 1985, pela PolyGram.

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CORCOVADO
Tom Jobim

Um cantinho, um violão
Esse amor, uma canção
Pra fazer feliz a quem se ama

Muita calma pra pensar
E ter tempo pra sonhar
Da janela vê-se o Corcovado,
O Redentor que lindo!

Quero a vida sempre assim
Com você perto de mim
Até o apagar da velha chama

E eu que era triste
Descrente deste mundo
Ao encontrar você eu conheci
O que é felicidade meu amor

Nenhum candidato consegue responder às perguntas do poeta

Tribuna da Internet | Para o cidadão-contribuinte-eleitor, em tempo de  eleição, perguntar não ofende

Paulo Peres, um poeta-cidadão

Carlos Newton

O advogado, jornalista, analista judiciário aposentado do Tribunal de Justiça (RJ), compositor, letrista e poeta carioca Paulo Roberto Peres, através do poema “Perguntar”, personifica o cidadão-eleitor-contribuinte e questiona os candidatos às eleições municipais deste domingo.

PERGUNTAR
Paulo Peres

Meu senhor, minha senhora,
Desculpe por perguntar,
Notícias de toda hora
Que entender faz chorar!

Trabalho o ano inteiro
Imposto do meu dinheiro
Percentual vem tirar….

Mas tudo bem, entendo eu
Isto sempre aconteceu
Para necessidades sanar
Do povo em qualquer lugar.

Mas no Brasil tal contrato
Por governantes setores
É rasgado em cada ato
Pela ganância, credores
Do além-mar barganhar….

Em ano de eleição
Surge como panaceia
O voto do cidadão.
Muita promessa semeia
E no fim é sempre igual.

Prestar o serviço essencial,
Federal, estadual, municipal
Pertence a quem, afinal?

A competência passeia
Pelas rádios, TVs, jornais
E pelas redes sociais,
Enquanto o Povo vagueia
No sofisma eleitoral!

No último poema de Manuel Bandeira, a lembrança da paixão dos suicidas

Eu gosto de delicadeza. Seja nos gestos,... Manuel Bandeira - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O crítico literário e de arte, professor de literatura, tradutor e poeta Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (1886-1968) quando jovem teve tuberculose  e, consequentemente, passou a vida inteira com a ideia de que morreria em breve, mas viveu até seus 82 anos, razão pela qual “O Último Poema” e muitos poemas de sua autoria carregam a melancolia e a sensação de sempre estar à espera do pior.

Vale ressaltar que versos curtos, pensamento objetivo, liberdade no uso das palavras, simplicidade na escrita, ironia e a crítica são características do modernismo que aparecem no poema, que também nos mostra a realidade em “flores sem perfume”, “soluço sem lágrimas” e o improvável quando fala sobre “ilusão”.

Além disso, o título do poema nos indica como Manoel Bandeira gostaria de ser lembrado, conforme revela o último verso todo seu pensamento. Mas também ao citar a paixão dos suicidas ele nos conta sobre a falta de sentido, sobre o paradoxo que é nosso caminho pela vida. Sobre ilusão e desilusão.

O ÚLTIMO POEMA
Manoel Bandeira

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Esconder o amor perdido é uma piedosa mentira, dizia Del Picchia

Menotti del PicchiaPaulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, tabelião, advogado, político, romancista, cronista, pintor, ensaísta e poeta paulista Paulo Menotti Del Picchia (1892-1988) revela o seu total conhecimento sobre o amor e o sofrimento que acarreta. São coisas  nem a “Piedosa Mentira” pode esconder.

PIEDOSA MENTIRA
Menotti De Picchia

Ontem na tarde loura e de aquarela,
alguém me perguntou: “Como vai ela?
Como vai teu amor?” – Eu respondi:
“Não sei. Uma mulher passou na minha vida,
mas não lembro…”. E nessa hora comovida,
como nunca lembrava-me de ti!

E menti por pudor… A mágoa que alvoroça
nosso peito é tão santa, tão pura, tão nossa
que se esconde aos demais.
E se uma voz indaga contristada:
“Estás sofrendo?” – “Não, não tenho nada…”
E é quando a gente sofre mais…

Mulheres sólidas, de ancas largas, enfeitam a poesia de Murilo Mendes

Murilo Mendes, retratado por Guignard

Paulo Peres
Poemas & Canções

O notário e poeta mineiro Murilo Monteiro Mendes (1901-1975), no poema “Aquarela”, é ousado não só nas imagens eróticas, mas na associação que estabelece entre palavras. Explica o professor de literatura Edir Alonso que é de uma beleza estonteante a polissemia realizada no termo “Aquarela” e a ideia de umidade, presente em inúmeros momentos, “porque tudo sugere muita novidade, a inauguração, a festividade, como a sensualidade, numa massa compacta que o poeta vai diluindo diante de nossos olhos, como um aquarelista diluindo em água uma massa compacta de tinta”.

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AQUARELA

Murilo Mendes

Mulheres sólidas passeiam no jardim molhado da chuva,
o mundo parece que nasceu agora,
mulheres grandes, de coxas largas, de ancas largas,
talhadas para se unirem a homens fortes.

A montanha lavada inaugura toaletes novas
pra namorar o sol, garotos jogam bola.
A baía arfa, esperando repórteres…
Homens distraídos atropelam automóveis,
acácias enfiam chalés pensativos pra dentro das ruas,
meninas de seios estourando esperam o namorado na janela.

Estão vestidas só com uma blusa, cabelos lustrosos
saídos do banho, e pensam longamente na forma
do vestido de noiva: que pena não ter decote!
Arrastarão solenemente a cauda do vestido
até a alcova toda azul, que finura!

A noite grande encherá o espaço
e os corpos decotados se multiplicarão em outros

Um poema sobre a simplicidade do poema, na inspirada criação de Olavo Bilac

Manuel Carlos🇧🇷 on X: "FRASES DE OLAVO BILAC. https://t.co/x1DILeizue" / XPaulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista e poeta carioca Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918), no soneto “A Um Poeta” fala de um poema sobre o poema. “Versos em que o poeta nos apresenta uma profissão de fé, ou seja, a sua posição em relação à poesia. Isto é perceptível em todo o poema”, segundo a professora de literatura Sílvia C. Lobato Paraense.

Nesta poesia, o poeta se manifesta sobre o ofício de ser poeta expondo o produto final desse trabalho que é comparado ao de um escultor, ouvires ou artesão, em busca da forma perfeita, explica a professora, “para isso, são necessárias paciência e dedicação beneditinas; o produto final deve ser uma obra formalmente perfeita, chamada de Arte pura”.

A UM POETA
Olavo Bilac

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha e teima, e lima , e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço: e trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua
Rica mas sóbria, como um templo grego

Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E natural, o efeito agrade
Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.

Lembrando a Tropicália e a Geléia Geral de Torquato Neto

Morto aos 28 anos, o piauiense Torquato Neto completaria 70 anos no domingo

Torquato Neto marcou uma época

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cineasta, ator, jornalista, poeta e letrista piauiense Torquato Pereira de Araújo Neto (1944-1972) é considerado um dos principais letristas do movimento Tropicalista, conforme mostra a letra de “Geléia Geral” que, “representa uma síntese dos cânones do próprio movimento tropicalista, além de ser modelo de seu contorno poético”, segundo o historiador Jairo Severiano.

Torquato Neto também é o autor da ideia de um “disco movimento”, tanto que a música “Geléia Geral” foi gravada no Lp “Tropicália ou panis et circensis”, 1968, pela Philips, ao lado de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, Nara Leão, Capinan, os Mutantes e Rogério Duprat.

GELÉIA GERAL
Gilberto Gil e Torquato Neto

Um poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia
Resplandente, cadente, fagueira num calor girassol com alegria
Na geléia geral brasileira que o Jornal do Brasil anuncia
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi

A alegria é a prova dos nove e a tristeza é teu porto seguro
Minha terra é onde o sol é mais limpo e Mangueira é onde o samba é mais puro
Tumbadora na selva-selvagem, Pindorama, país do futuro
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi

É a mesma dança na sala, no Canecão, na TV
E quem não dança não fala, assiste a tudo e se cala
Não vê no meio da sala as relíquias do Brasil:
Doce mulata malvada, um LP de Sinatra, maracujá, mês de abril
Santo barroco baiano, superpoder de paisano, formiplac e céu de anil
Três destaques da Portela, carne-seca na janela, alguém que chora por mim
Um carnaval de verdade, hospitaleira amizade, brutalidade jardim
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi

Plurialva, contente e brejeira miss linda Brasil diz “bom dia”
E outra moça também, Carolina, da janela examina a folia
Salve o lindo pendão dos seus olhos e a saúde que o olhar irradia
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi

Um poeta desfolha a bandeira e eu me sinto melhor colorido
Pego um jato, viajo, arrebento com o roteiro do sexto sentido
Voz do morro, pilão de concreto tropicália, bananas ao vento
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi

“Esse homem é brasileiro que nem eu”, denunciava Mário de Andrade

|Retratado por Tarsila do Amaral

Paulo Peres
Poemas & Canções

Mário Raul de Morais Andrade (1893-1945) foi um poeta, contista, cronista, romancista, musicólogo, historiador de arte, crítico e fotógrafo brasileiro. Um dos fundadores do modernismo no país, ele praticamente criou a poesia brasileira moderna com a publicação de sua Pauliceia Desvairada em 1922. 

O poema “Descobrimento” retrata a súbita preocupação de um homem que mora numa grande cidade e está no conforto de seu lar. O frio que fazia levou-o em pensamento na direção das pessoas do Norte do Brasil, região em que há grande incidência de miséria e pobreza.

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DESCOBRIMENTO

Mário de Andrade

Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.

Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu.

Uma homenagem de Paulo Leminski aos poetas mais antigos

A poética anárquica de Paulo Leminski | Digestivo CulturalPaulo Peres
Poemas & Canções 

O crítico literário, tradutor, professor, escritor e poeta paranaense Paulo Leminski Filho (1944-1989) invoca no poema “Poetas Velhos” uma reverência aos mais antigos.

POETAS VELHOS
Paulo Leminski

Bom dia, poetas velhos.
Me deixem na boca
o gosto dos versos
mais fortes que não farei.

Dia vai vir que os saiba
tão bem que vos cite
como quem tê-los
um tanto feito também,
acredite.

O romantismo exacerbado de Vicente Celestino arrebatava multidões

Vicente Celestino: o sucesso de “O Ébrio”

Vicente Celestino no papel de “O Ébrio”

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor (tenor), ator e compositor carioca Antônio Vicente Felipe Celestino (1894-1968) lançou um estilo caracterizado pelo romantismo exacerbado, comovendo e arrebatando um grande público durante a primeira metade do século XX, através do teatro, do rádio, de discos e do cinema nacional.

A letra dramática da música “O Ébrio”, repleta de desventuras e imagens beirando a pieguice, era uma perfeita sinopse para o enredo de um filme, desde o prólogo falado à parte musical propriamente dita. Nesta, o contraste da primeira parte, no modo menor, com a segunda, no modo maior, contribui para ressaltar a tragédia do protagonista. “O Ébrio”, lançado em 1946, com Vicente Celestino no papel principal, obteve recordes de bilheteria.

A canção “O Ébrio” gravada por Vicente Celestino, em 1936, pela RCA Victor, também inspirou naquele ano uma peça de teatro e, em 1965, uma novela na TV Paulista.

O ÉBRIO
Vicente Celestino

Nasci artista. Fui cantor. Ainda pequeno levaram-me para uma escola de canto. O meu nome, pouco a pouco, foi crescendo, crescendo, até chegar aos píncaros da glória. Durante a minha trajetória artística tive vários amores. Todas elas juravam-me amor eterno, mas acabavam fugindo com outros, deixando-me a saudade e a dor. Uma noite, quando eu cantava a Tosca, uma jovem da primeira fila atirou-me uma flor. Essa jovem veio a ser mais tarde a minha legítima esposa. Um dia, quando eu cantava A Força do Destino, ela fugiu com outro, deixando-me uma carta, e na carta um adeus. Não pude mais cantar. Mais tarde, lembrei-me que ela, contudo, me havia deixado um pedacinho de seu eu: a minha filha. Uma pequenina boneca de carne que eu tinha o dever de educar. Voltei novamente a cantar mas só por amor à minha filha. Eduquei-a, fez-se moça, bonita… E uma noite, quando eu cantava ainda mais uma vez A Força do Destino, Deus levou a minha filha para nunca mais voltar. Daí pra cá eu fui caindo, caindo, passando dos teatros de alta categoria para os de mais baixa. Até que acabei por levar uma vaia cantando em pleno picadeiro de um circo. Nunca mais fui nada. Nada, não! Hoje, porque bebo a fim de esquecer a minha desventura, chamam-me ébrio. Ébrio…

Tornei-me um ébrio e na bebida busco esquecer
Aquela ingrata que eu amava e que me abandonou
Apedrejado pelas ruas vivo a sofrer
Não tenho lar e nem parentes, tudo terminou
Só nas tabernas é que encontro meu abrigo
Cada colega de infortúnio é um grande amigo
Que embora tenham como eu seus sofrimentos
Me aconselham e aliviam os meus tormentos
Já fui feliz e recebido com nobreza até
Nadava em ouro e tinha alcova de cetim
E a cada passo um grande amigo que depunha fé
E nos parentes… confiava, sim!
E hoje ao ver-me na miséria tudo vejo então
O falso lar que amava e que a chorar deixei
Cada parente, cada amigo, era um ladrão
Me abandonaram e roubaram o que amei
Falsos amigos, eu vos peço, imploro a chorar
Quando eu morrer, à minha campa nenhuma inscrição
Deixai que os vermes pouco a pouco venham terminar
Este ébrio triste e este triste coração
Quero somente que na campa em que eu repousar
Os ébrios loucos como eu venham depositar
Os seus segredos ao meu derradeiro abrigo
E suas lágrimas de dor ao peito amigo

Nossa alma tem de ser uma fundamental e inseparável companheira

Entrevista – Página: 1071 – JP Revistas

Limongi exalta a alma

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista e poeta amazonense Vicente Limongi Netto, radicado há anos em Brasília, poetizou que sua “Alma Amorosa” percebe tudo quanto é necessário para fazê-lo ditoso cotidianamente.

ALMA AMOROSA
Vicente Limongi Netto

 

Minha alma é inseparável companheira
Nosso amor é indissolúvel
Nada nos separa
Vamos juntos para o infinito da eternidade
Trocamos ideias
Tratamos assuntos amargos com otimismo
Com a alma vou ao paraíso
Repouso nos braços dela
Minha alma é cativante
Senhora de si
Repele sandices
Nada nos falta
Ela percebe meus gostos
Minhas aflições
Meus desejos
Sabe por quem tenho carinho
Com minha alma costumo visitar as estrelas
Somos recebidos com banhos de água benta e folhas de alcatrão
Ficamos com elas longos tempos
Aprendendo a ter paciência
A conter os ânimos
Frear a língua
As estrelas são sábias conselheiras
Nos tornam melhores
Minha alma não sofre por nada
Temos sempre palavras de ternura
Minha alma não me deixa sofrer
Não ter pesadelos
Ela sabe o que preciso para ser feliz.

Uma antiga história antiga, na poesia do mestre Raul de Leoni

Tribuna da Internet | A liberdade plena da vida dos ciganos, na inspirada  poesia de Raul de LeôniPaulo Peres
Poemas & Canções

O advogado e poeta Raul de Leoni (1895-1926), nascido em Petrópolis (RJ), expressa nos versos de “Minha História” tudo quanto um olhar pode acarretar pela vida afora: otimismo, inocência, dúvida, indiferença, amor, fantasia e incompreensão para dizer algo.

HISTÓRIA ANTIGA
Raul de Leoni

No meu grande otimismo de inocente,
Eu nunca soube por que foi… um dia,
Ela me olhou indiferentemente,
Perguntei-lhe por que era… Não sabia…

Desde então, transformou-se de repente
A nossa intimidade correntia
Em saudações de simples cortesia
E a vida foi andando para frente…

Nunca mais nos falamos… vai distante…
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa,

E eu sinto, sem, no entanto compreendê-la,
Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
Mas que é tarde demais para dizê-la…

E o pai de Paulinho da Viola não queria que ele se tornasse músico…

Paulinho da Viola – Wikipédia, a enciclopédia livre

Paulinho não obedeceu ao pai

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor e compositor carioca Paulo César Batista de Faria, o Paulinho da Viola, é tido como um dos mais talentosos representantes da MPB. O samba “Catorze Anos” gravado por Paulinho da Viola no LP Na Madrugada, em 1966, pela RGE, foi inspirado nas palavras de seu pai, o excelente violonista César de Faria, o qual não queria que seus filhos fossem músicos, como ele, pois dizia que “sambista não tem valor nesta terra de doutor”.

Todavia, os conselhos não adiantaram, conforme conta a letra de “Catorze Anos”, obra que segundo Paulinho da Viola “traduz a filosofia do sambista do morro e isto significa um pouco de mim mesmo”.

CATORZE ANOS
Paulinho da Viola

Tinha eu 14 anos de idade
Quando meu pai me chamou
Perguntou-me se eu queria
Estudar Filosofia
Medicina ou Engenharia
Tinha eu que ser doutor

Mas a minha aspiração
Era ter um violão
Para me tornar sambista
Ele então me aconselhou
Sambista não tem valor
Nesta terra de doutor
É seu doutor
O meu pai tinha razão

Vejo um samba ser vendido
E o sambista esquecido
E seu verdadeiro autor
Eu estou necessitado
Mas meu samba encabulado
Eu não vendo, não senhor

“A vida não tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas”

O que vale na vida não é o ponto de... Cora Coralina - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

A poeta Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas (1880-1985), nasceu em Goiás Velho. Mulher simples, doceira de profissão, tendo vivido longe dos grandes centros urbanos, alheia a modismos literários, produziu uma obra poética rica em motivos do cotidiano, conforme o belo poema “Saber Viver”, no qual a sabedoria de Cora Coralina ensina que a vida não tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas

SABER VIVER
Cora Coralina

Não sei… Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura… Enquanto durar

Na desesperada “Canção do Bêbado”, a dor de viver, segundo Cruz e Souza

Cruz e SousaPaulo Peres
Poemas & Canções

O poeta João da Cruz e Sousa (1861-1898) nasceu em Desterro, atual Florianópolis, tornou-se conhecido como o “Cisne Negro” de nosso Simbolismo, seu “arcanjo rebelde”, seu “esteta sofredor”, seu “divino mestre”. Procurou na arte a transfiguração da dor de viver e de enfrentar os duros problemas decorrentes da discriminação racial e social.

No poema “Canção do Bêbado”, Cruz e Souza relata a degradação de um homem em decorrência do alcoolismo, do pessimismo, da tragédia afetiva, da opção pela vida fantasiosa, da depressão associada a bebida e da dúvida que, consequentemente, o levará à morte.

A imagem sugerida pela pontuação é sem dúvida alguma a de um homem embriagado caminhando para casa. Sua marcha é irregular, alternando movimento, oscilação, dúvida (interrogação) e pausa, regularidade, certeza (exclamação).

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CANÇÃO DO BÊBADO
Cruz e Souza

Na lama e na noite triste
aquele bêbado vil
Tu’alma velha onde existe?
Quem se recorda de ti?

Por onde andam teus gemidos,
os teus noctâmbulos ais?
Entre os bêbados perdidos
quem sabe do teu – jamais?

Por que é que ficas à lua
Contemplativo, a vagar?
Onde a tua noiva nua
foi tão cedo depressa enterrar?

Que flores de graça doente
tua fronte vem florir
que ficas amargamente
bêbado, bêbado a vir?

Que vês tu nessas jornadas?
Onde está o teu jardim
e o teu palácio de fadas
meu sonâmbulo arlequim?

De onde trazes essa bruma
toda essa névoa glacial
de flor de lânguida espuma
regada de óleo mortal

Que soluço extravagante
que negro, soturno fel
põe no teu doudejante
a confusão da Babel?

Ah! das lágrimas insanas
que ao vinho misturas bem
que de visões sobre-humanas
tua alma e teus olhos têm!

Boca abismada de vinho
Olhos de pranto a correr
bendito seja o carinho
que já te faça morrer!

Sim! Bendita a cova estreita
mais larga que o mundo vão
que possa conter direta
a noite do teu caixão!