Moralismo e hipocrisia desvirtuam debate da liberalização da maconha

Medicamento à base de cannabis liberado no sus - YouTube

Eficácia dos remédios está absolutamente comprovada

Marcos Augusto Gonçalves
Folha

Enquanto no mundo democrático, rico e educado, o consumo de maconha já foi pacificado e a comercialização é cada vez mais admitida e regulamentada – caso eloquente dos EUA –, no Brasil prevalece a lei do pelourinho. O negro pobre entra no chicote enquanto pessoas de classe média para cima, com poder de subornar ou telefonar para um advogado, desfrutam de uma situação à parte. Raramente são ou se sentem ameaçadas.

Seja o que for que o STF decida sobre porte e tráfico, para esse grupo social pouco ou nada irá mudar. Continuarão esses usuários a guardar suas quantidades para consumo doméstico, fumarão em shows, na esquina do restaurante, na praia, na pracinha ou em festas com amigos.

TIPO DELIVERY – Para quem tem meios, as entregas são realizadas no melhor padrão delivery e pode-se pagar com boletos ou Pix. Sites e aplicativos na internet dão dicas de plantio e discutem as características das diversas qualidades, que hoje podem ser adquiridas em São Paulo, Paris ou Nova York.

Sejamos adultos. Desfilam pela história da crônica do uso de maconha nas elites respeitáveis personagens, ministros, deputados, senadores, vereadores, prefeitos, juízes. Não falemos em empresários, intelectuais, artistas de vulto, jornalistas, publicitários, marqueteiros, economistas, fazendeiros e diplomatas – muitos deles publicamente favoráveis à legalização.

Quantos pertencentes a esse universo de ilustres consumidores –e não esqueçamos seus filhos – estão atrás das grades sem sentença no inferno presidiário brasileiro?

INCOMPETÊNCIA CÓSMICA – A superlotação do sistema prisional, sob o comando de facções, e a destruição de vidas de jovens pobres são o resultado da incompetência cósmica das autoridades nacionais, que não conseguem nem controlar cadeias, nem estabelecer uma simples diferença entre tráfico e consumo.

É desanimador que desde 2015 o Supremo Tribunal Federal não tenha se mostrado capaz de tomar uma decisão republicana sobre o caso. O debate é contaminado pela alucinação moralista e politizada dos proibicionistas ou pela hesitação temerosa de quem quer ficar de bem com todos.

Impõe-se uma distorção exasperante ao caso, como se o Supremo fosse determinar ou não a legalização da maconha —tema que, aliás, promete tardar no Brasil tanto quanto tardou a extinção do regime escravista.

VOTOS ROCAMBÓLICOS – Jogando na confusão, ministros conservadores externam votos rocambólicos, nos quais aceitam fixar uma quantidade para separar consumo e tráfico, mas se revelam contra a despenalização em vigor e fazem proselitismo sobre problemas de saúde ocasionados pela maconha.

Disse André Mendonça, por exemplo, que “não se trata de vida privada, se trata de danos à saúde pública, aumento de suicídio, aumento de acidentes”…

Ora, não é sobre isso que o tribunal foi chamado a decidir. Além de vilipendiar a questão em pauta, faz-se de conta que não existem no mercado legal produtos que podem causar graves problemas à saúde pública, a começar por drogas lícitas, como álcool e tabaco.

E o que dizer de veículos que emitem gases estufa ou do mortífero descontrole da expansão de motocicletas no trânsito das cidades? Ou, ainda, dos alimentos ultraprocessados?

ATIVISMO INAPROPRIADO – O STF poderá até chegar, com atraso imperdoável, a algum relatório razoável, porém, mais uma vez, a corte tropeça e ministros entregam-se a um ativismo inapropriado.

Não é improvável que a questão acabe transferida para o Legislativo, onde já existem propostas para criminalizar o usuário e qualquer porte de droga.

Trata-se de uma sandice sem tamanho que conta com o endosso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Continuamos a assistir a uma marcha anticivilizatória de assustar. Como diriam os Beatles: Help!

8 thoughts on “Moralismo e hipocrisia desvirtuam debate da liberalização da maconha

  1. O STF quis dar uma clareada na lei que fala sobre usuário e traficante para todas as drogas. Se ateve apenas na maconha, tentando definir a quantidade máxima de porte para distinguir usuário e traficante. Não está decidindo para descriminalizar.

    O Congresso agora (já passou pela CCJ), uma PEC que criminaliza qualquer quantidade portada de droga. Mas isso já está na lei das drogas de 2010. Parece que na PEC há uma enrolação para diferenciar usuário de traficante. Não há quantidade definida nem o tipo de droga. Então, essa PEC é uma droga, repete uma lei e embroma. Decepcionante. Espero que haja modificações.

  2. Junto à hipocrisia vem a estultice.
    O consumidor, adjetivemos assim, ou vai necessitar de um provedor, ou terá de produzir seu próprio suprimento. A depender do seu consumo próprio diário, talvez adicionando-se a isto algum visitante apreciador esporádico, sua produção ou aquisição poderá resultar em enquadrá-lo como traficante.
    Como suas Excelências congressistas são criaturas argutas do mais fino trato, possivelmente estejam mais preocupadas com a catinga dos baseados incomodando os não-aficionados.
    Quando garoto, bem antes do mimimi politicamente correto, costumava ouvir os mais velhos contarem piadas de portugueses,
    para o deleite dos jovens. Quem diria que com o passar dos anos daríamos diariamente muita munição para o justo revide.

  3. Quem vai fornecer a erva de elevado consumo, algum convento de frades franciscanos?
    Imagino os reis do narcotráfico pressionando para aprovação do assunto.
    Vai ser a glória, todo mundo doidão, do cirurgião ao piloto de aeronaves de passageiros.

  4. Não existe estudos científicos revisados pelos pares comprovando que o óleo da maconha funciona e nem dos seus efeitos colaterais ou sobre a dosagem indicada para cada caso. Quais doenças que funciona, em quais dosagens, seus efeitos colaterais nada disso está documentado.
    Tudo é empírico, alguém planta e extrai o óleo da maconha e vende. A pessoa compra e dão as dose sem nenhum embasamento científico. Não sei de onde saem as conclusões que o colunista gerou.

  5. O sonho da liberação da maconha tem um só motivo. Fumar pra vababundo ficar doidão. Essa estorinha de maconha medicinal é uma balela que só idiota acredita.

  6. STF e Congresso Nacional no mundo da fantasia.

    Entorpecidos na própria vaidade enquanto a nação desfalece.

    Governados por essas drogas.

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