Carlos Newton
Conheci proximamente Delfim Netto. Quando ele se elegeu deputado constituinte, entrou no ostracismo. Nenhum repórter o procurava. Eu trabalhava na Manchete em Brasília e ia muito a seu desértico gabinete no Anexo IV, comandado pelo jornalista Gustavo Silveira, para trocar ideias com Delfim, em longas conversas sobre economia.
Sobre política e a Constituinte em si, meu interlocutor preferido era o jurista Saulo Ramos, consultor-geral da República, que tinha uma cultura fabulosa. Ficamos tão amigos que costumávamos nos encontrar à noite no Restaurante Fiorentino.
Delfim era vesgo, mas enxergava longe. Posicionava-se como um keynesiano puro, que acreditava na intervenção do Estado na economia, e desafiava. “Cite-me um país que se desenvolveu sem um Estado forte”. Usava suspensórios e gostava de conforto, tinha um velho Forte Galaxy para conduzi-lo por Brasília.
DELFIM E LULA – Fui eu que apresentei Delfim Netto a Lula da Silva, no dia da abertura da Assembleia Nacional Constituinte. Estava conversando com Delfim no corredor que dá acesso ao plenário, quando Lula se aproximou junto com alguns assessores.
Quando os apresentei, Delfim ficou contente, mas Lula demonstrou constrangimento, demorou a apertar a mão que o ex-ministro lhe estendeu.
Aproveitei a chance e disse-lhes: ”O ministro da Fazenda tornou-se deputado e o líder sindicalista fez o mesmo. Agora, vocês são iguais, cada um vale um voto na Constituinte. Eu então os convido para me dar uma entrevista juntos”. Delfim topou na hora, mas Lula relutou: “Depois fala com minha assessoria”.
FUI VETADO… – Quando liguei para o gabinete de Lula, soube que a entrevista seria feita pela repórter Sônia Carneiro, da Rádio Jornal do Brasil. Na visão dos petistas, eu seria “independente demais”, e eles até hoje só aceitam jornalistas no cabresto.
Foi nesse dia que aprendi quem era Lula, o bronco total desprezível, e quem era Delfim, o intelectual que exercitava o tempo todo a ironia. Daí para a frente, os dois se tornaram amigos, vejam a que ponto chega o pragmatismo dos políticos. Nunca perguntei a Delfim se ele sabia que Lula tinha sido o Barba, informante do regime militar. Certamente ele só soube disso quando Romeu Tuma Junior publicou o livro “Assassinato de Reputações”.
E Lula não sabia que eu era filiado ao PT, numa época em que somente se entrava no partido tendo recomendação expressa. Meu padrinho tinha sido o deputado José Eudes, do Rio. Um ano antes, em 1985, junto com a atriz Beth Mendes e o líder Aírton Soares, ambos de São Paulo, Eudes tinha sido expulso do PT por ter votado em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Acredite se quiser.
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P.S. – Bem, vida que segue, diria João Saldanha. Delfim Netto morreu aos 96 anos, após uma semana internado em São Paulo. Tenho saudade do milagre brasileiro. Nós éramos a China e não sabíamos. (C.N.)